quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O socialismo, o idiota e a ideologia (resposta de Mauro Iasi a Arnaldo Jabor)



Este artigo é uma resposta a O “perigo vermelho”, de Arnaldo Jabor.
“Quando a gente mente, ou seja, coloca com astúcia alguma coisa que acontece com excessiva raridade ou nunca acontece, aí a mentira se torna muito mais verossímil
O Idiota, Dostoiévski
O Príncipe Liev Nikoláievitch Míchkin [personagem do romanceO Idiota], exímio calígrafo, um pouco santo, profético e epilético, gosta tanto de suas idéias que por vezes, segundo um personagem seu amigo, “lhe dava vontade de ir para algum lugar, sumir inteiramente dali. (…) gostaria até de um lugar sombrio, deserto, contanto que ficasse só com os seus pensamentos”. Sempre foi um humanista, nutria uma profundo amor pela humanidade, apesar de sua hipossexualidade, mas a humanidade lhe parecia errada, grotesca, como uma projeção de sua baixa auto-estima.
Em uma carta, Hippolite [Hippolite Terentyev, personagem do romance O Idiota] declara que “no amor abstrato para com a humanidade, não se ama a ninguém, e sim a si próprio”. Assim era ele. Zeloso e heroico defensor da humanidade abstrata e inimigo declarado dos seres humanos. Disposto a morrer pela humanidade no ato heroico contra moinhos, ou preso à cruz para salvar os pecados dos homens, como um Quixote/Cristo crucificado entre dois ladrões diante de um mar de moinhos vitoriosos.
O príncipe Míchkin hoje se preocupa com o “perigo vermelho”, como um dia já se preocuparam os Czares, o Pentágono, os militares latino-americanos e os reacionários de toda ordem. Ele sofre, como o único que vê a verdade em uma terra de cegos e estúpidos. Suas prédicas morais não têm valor algum em si mesmas, nem originalidade. São expressão de sua (para usar uma categoria cara ao autor) burrice, tagarelices de um idiota.
Suas ideias nos servem, no entanto, para outro propósito, como um rico material para discutir os eficazes mecanismos da ideologia. Seguindo as pistas de Marx (o príncipe Míchkin propõe, como veremos, uma bibliografia alternativa e mais gabaritada) sabemos que a ideologia opera como um poderoso instrumento de dominação de classe por meio de mecanismos como a inversão, o ocultamento, a naturalização, a justificativa e a apresentação do particular como fosse universal.
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Vejamos, então, seus principais “argumentos” para que possamos refletir sobre a profundidade abismal das alternativas que nos propõe.
Segundo Míchkin o grande problema do Brasil é que o ciclo dos governos petistas prende nosso país em uma anacronia. Isto é, ao invés de se ocuparem com as “reformas no Estado paralítico e patrimonialista”, só pensam no passado com “nostalgia masoquista de torturas, heranças malditas, ossadas do Araguaia” que, segundo o príncipe amargurado, os legitimaria.
Trata-se, segundo o juízo do nobre decadente, da insanidade de insistir em uma luta perdida de tempos ilusórios. Ele pode afirmar com segurança essa constatação porque “estava lá” e viu “o absurdo que foi aquela tentativa de revolução sem a mais escassa condição objetiva”. Entretanto, na opinião do talentoso calígrafo, a raiz desse equívoco é mais profunda: já nos primeiros anos do governo petista, Míchkin alertava para o perigo de “sovietização” do governo brasileiro e agora insiste no caráter “neobolchevique” do governo Dilma. E profetiza:
“É um perigo grave que pode criar situações irreversíveis a médio prazo, levando o País a uma recessão barra-pesada em 14/15. É necessário alertar à população pensante para esse “perigo vermelho” anacrônico e fácil para cooptar jovens sem cultura política. Pode jogar o Brasil numa inextrincável catástrofe econômica sem volta.”
Vejam: nós, que não fazemos parte da população pensante, doentes mentais de marxismo crônico e jovens sem a cultura política do príncipe Míchkin, estamos sendo manipulados pelo “neobolchevismo” que nos leva, sem que saibamos, para o abismo da crise “barra-pesada”. Essa sua espessa cultura lhe permite remeter aos ensinamentos históricos. Por exemplo, à situação alemã na qual o stalinismo satanizou a social democracia e abriu caminho para o nazismo, nos esclarecendo que o “PSDB da Alemanha”, para eles, era mais perigoso que Hitler. Nós que não somos parte da população pensante ficamos confusos diante do brilho desta sabedoria. O PSDB representa aqui no Brasil uma força reformista, com raízes no movimento sindical e operário(?), o PT uma reencarnação grotesca do bolchevismo stalinista(?)… então, quem são os nazistas? Bom… não perdemos tempo com coisas que nossa cabecinha não pode compreender. Deixemos o príncipe epilético continuar pregando, pois ele tem a solução:
“Temos que parar de pensar do Geral para o Particular, de Universais para Singularidades. As grandes soluções impossíveis amarram as possíveis. Temos que encerrar reflexos dedutivas e apostar no indutivo. O discurso épico tem de ser substituído por um discurso realista, possível e até pessimista.”
Eu sei, leitores jovens sem cultura, é difícil acompanhar o Míchkin em seus chiliques, mas ele começou a doutrinar metodologicamente agora. Vejam, ele estava falando de política, de economia, de história (ele estava lá e viu), todas áreas nas quais ele acumula uma sólida ignorância, e agora saltou para as bases teóricas e filosóficas daquilo que ele não entende. Um pouco atrás no artigo ele já havia se referido a Hegel e sua teleologia da história (que ele confundiu com “teologia”) segundo a qual na sua genial síntese “as derrotas não passam de ‘contradições negativas’ que levam à novas teses”. É certo que não há uma mera continuidade entre a visão de história de Hegel e Marx. É evidente que nem Hegel nem Marx fundamentam seu pensamento procedendo o caminho metodológico do Geral para o Particular, nem de Universais para as Singularidades. Mas o que sabem Hegel e Marx sobre seus pensamentos?
Desavisados acreditariam que o caminho do método para compreender o real e seu movimento, para Hegel e para Marx, seria do singular ao universal, por meio das particularidades. Mas deixemos de lado estas questões secundárias que só podem interessar àqueles que ainda se apegam ao trabalho doentio de estudar os autores por aquilo que eles de fato afirmaram. Voltemos aos ensinamentos do sábio.
Procedendo metodologicamente da maneira adequada que é sugerida (para facilitar o entendimento aos jovens incultos: abandone Marx e Hegel e volte a Kant, só para destruí-lo e refugiar-se em Nietzsche… agora é só passar para Lyotard) estaríamos aptos a abandonar certos preconceitos, como por exemplo a qualidade de “esquerda” que segundo o príncipe epilético é só uma “substância” que ninguém mais sabe o que é, servindo para enobrecer discursos. Segundo nosso profeta da amargura, devemos substituir “esquerda e direita” por “progressistas e conservadores”. Feito isso, teríamos que trocar de referencias, eis a sugestão de Míchkin:
“O pensamento da velha ‘esquerda’ tem que dar lugar a uma reflexão mais testada, mais sociológica, mais cotidiana [???]. Weber em vez de Marx, Sergio Buarque de Holanda em vez de Caio Prado, Tocqueville em vez de Gramsci.”
Lógico que por modéstia, o príncipe não seguiu suas sugestões para o campo da cultura, no qual teríamos que seguir as substituições, por exemplo, Julio Iglesias em vez de Atahualpa Yupanqui, Paulo Coelho em vez de Graciliano Ramos, ou mesmo, quem sabe, Jabor em vez de Fellini. Não, ele está preocupado com o Brasil. Para enfrentar as tarefas urgentes que evitem que caminhemos para abismo é necessário partir de cara assumindo o fracasso do socialismo real. E ele se pergunta: quem (além dele) tem peito para isso? O Socialismo é uma palavra, um dogma, que nos amarra a um fim obrigatório, esbraveja e lamenta, “como se tivéssemos que pegar um ônibus [de graça... perdão, não interrompo mais]… até o final da linha, ignorando atalhos e caminhos novos”. E conclui:
“A verdade tem que ser enfrentada: infelizmente ou não, inexiste no mundo atual uma alternativa ao capitalismo. Isso é óbvio. Digo e repito: uma ‘nova esquerda’ tem que acabar com a fé e a esperança – trabalhar no mundo do não sentido, procurar caminhos, sem saber para onde vai.”
Não é qualquer um que sugere caminhos sem saber onde vão dar, é preciso uma dose de coragem ou outra qualidade de caráter para isso. Para a marinha mercante seria uma catástrofe, mas para conduzir a humanidade, quem sabe, não é. O nosso idiota sai das gélidas paisagens da Rússia, passa pelas ensolaradas terras brasileiras ameaçadas pelo perigo vermelho e chega à Alemanha para fazer a troca. Deixa Marx e abraça ternamente a Max Weber, que lhe responde:
“Por muito diferente que fossem nossas opiniões sobre a configuração da ordem social futura, aceitamos para o momento presente, a forma capitalista. Não porque nos parece melhor diante das antigas formas, mas por considerarmos praticamente inevitável e acreditamos que as tentativas de luta radical contra ela nunca seriam um progresso, mas antes um obstáculo no acesso da classe operária à luz da cultura.”
(Max, Weber, Sobre a teoria das Ciências Sociais, Lisboa: Presença, 1979, p. 29).
Míchkin e Weber se abraçam em silêncio. Míchkin está emocionado, Weber não tem a menor ideia de quem é aquela figura. Aproveitando que estava por ali, o príncipe epilético vai até Viena tentando encontrar Freud – isso porque ele está convencido que precisamos alistar o pai da psicanálise na análise das militâncias –, mas não o encontra. Os conceitos da velha esquerda como “luta de classes”, “democracia burguesa”, “sectarismo”, “fins justificam os meios” e outros, deveriam ser substituídos por conceitos como “narcisismo”, “voluntarismo”, “onipotência”, “paranoia” e “burrice”. Vejam que o fato de que os conceitos da esquerda e da psicanálise sejam, digamos, um pouco mais sofisticados do que a síntese apresentada não incomoda nosso quixote da nova moralidade necessária.
“Somos vitimas de um desequilíbrio psíquico”, brada, quase derrubando o samovar e o bule de chá. Concordamos, parece-nos até evidente. Há estudos que tentaram diagnosticar clinicamente a epilepsia de Liev Nikoláievitch Míchkin, assim como a de seu criador (Fiódor Dostoiévski) como síndrome de personalidade interictal na epilepsia do lobo temporal – há dúvidas se no lado esquerdo ou direito (eu não tenho nenhuma: é no da direita). Algumas características de comportamento costumam ser associados à doença, tais como a hipossexualidade, a hipergrafia, o caráter antissocial, associados ou não à sintomas como paranóia, humor deprimido e hipermoralismo. Segundo uminteressante artigo de Leonardo Cruz de Souza e Mirian Fabíola Studart Gurgel Mendes nos Arquivos de Neuropsquiatria, o príncipe Míchkim expressaria de forma brilhante no espectro literário os sintomas da doença de seu criador.
Freud, entretanto, tem outra opinião, para ele o trauma de odiar seu pai opressor e vê-lo sendo morto pelos camponeses desencadeou um processo psíquico de autopunição que levou à doença do escritor russo – patologia, portanto, de natureza histérica e não epilética. Mas nada disso nos interessa, porque da mesma forma que a história não nos serve como teoria (nem a economia, nem a filosofia), não será a psicanálise que terá algo a dizer. O que Freud queria mesmo dizer, mas não disse, talvez porque estava ocupado desenvolvendo a psicanálise, é que o “desequilíbrio psíquico” que aflige os nossos governantes (perigosos bolcheviques vermelhos) pode ser enquadrado nas categorias de “psicopatas e paranóicos simplórios”.
Freud, pelo que me lembro, não tratou disso, falou de enfermidades narcisísticas, as psicoses, dentre as quais a paranóia. Formas mais ou menos graves de cisão com a realidade. Mas isso não deve ser pertinente. Mais precisas são as categorias clínicas e políticas de “psicopatas e paranóicos simplórios”.
Falando em cisão com a realidade, nosso príncipe, já um tanto cansado de sua labuta para alertar as elites pensantes e velhos cultos, evoca Baudrillard que teria profetizado que “o comunismo hoje desintegrado se tornou viral”, isto é, seria capaz de contaminar o mundo, não por suas idéias e alternativas societárias (que teriam fracassado), mas “através de seu modelo de desfuncionamento e desestruturação brutal”.
Interessante ele lembrar de Baudrillard nesta sopa confusa de senso comum refinado com ácaros de cultura de bibliotecas estéreis. Não foi Baudrillard que disse “livre do real, você pode fazer algo mais real que o real: o hiper-real”? Nosso Míchkin navega nas pradarias do “hiper-real”. Agora entendi, tudo fica mais claro.
O príncipe epilético ainda tentou estabelecer uma conexão com o “eixo do mal” na America Latina, mas não desenvolveu. Estava exausto, e eu de saco cheio com tanta bobagem junta. Então, vamos aos finalmentes.
Como é possível ver, não há nada de novo nos argumentos e destemperos discursivos do autor. Entretanto, ele cumpre uma função precisa naquilo que de fato opera. Como dissemos, a ideologia opera através de mecanismos como a inversão, o ocultamento, a naturalização, a justificativa e a apresentação do particular como fosse universal. Vejamos.
Em primeiro lugar há uma clara inversão neste confuso discurso raivoso. O problema do Brasil é um governo de linha bolchevique, arraigado a dogmas do marxismo e da meta socialista que, por isso, não executa as “reformas necessárias” no Estado brasileiro (!!!).
Neste âmbito da “hiper-realidade” fica difícil seguir a análise. Os governos petistas aceitaram e assumiram a reforma do Estado nos mesmos moldes de seu antecessor e rejeitaram explicitamente qualquer nexo com a meta socialista que um dia defenderam, rendendo-se à forma capitalista como inevitável. Na inversão ideológica apresentada, o PSDB quer reformas e o PT é conservador e as impede.
O que fica oculto nesta artimanha é que, nos alerta o crítico, caso sigamos o caminho do “socialismo” iremos dar em uma “recessão barra-pesada”. Veja, tentando manter a sanidade, a crise que estamos enfrentando não resulta da opção por medidas ou formas socialistas de qualquer espécie, mas exatamente pela manutenção das formas capitalistas, do mercado e da perpetuação das relações burguesas de produção e propriedade.
A crise que estamos enfrentando não é culpa do socialismo, real ou imaginário. Se o socialismo fracassou e desapareceu como alternativa e a única alternativa possível é continuarmos no capitalismo, como professou Weber e não se cansa de repetir o Míchkin, como o socialismo pode nos levar para o buraco? Ah… é que ele, como uma ameaça viral, se impõe pelo seu “desfuncionamento” ou sua “desestruturação brutal”… Onde? Através de que políticas e ações governamentais?
Assim é fácil porque não precisamos encontrar a reposta no real – baudrillardamente, nos livramos do real. O autor é um militante imaginário, numa batalha imaginária contra um inimigo imaginário, e pior… está perdendo. Deve ser desesperador.
Toda essa engenharia imaginária acaba servindo para naturalizar uma determinada ordem, justificá-la. Filtrando toda a baboseira pretensiosa, destaco a única frase pertinente do artigo (pertinente pois expressa um juízo preciso do autor): “infelizmente ou não, inexiste no mundo atual uma alternativa ao capitalismo. Isso é óbvio”. Precisamente, nisso não há nada de óbvio. Dito de outra maneira, o argumento é o seguinte: se o capitalismo é inevitável o que atrapalha a humanidade são aqueles que ainda não perceberam isso e tentam insistir nas alternativas radicais para superá-lo. Com efeito, essa construção ideológica acaba por justificar o capitalismo e eximi-lo da catástrofe que a humanidade se meteu seguindo o caminho proposto por seus defensores. A ideologia aqui apresentada quer botar a culpa na gente!
Ao atacar o petismo como “neobolchevismo”, a critica capenga oculta as verdadeiras e necessárias alternativas, tenta desqualificá-las, antes mesmo que elas se apresentem. O PT é a expressão do pragmatismo que abandonou da meta socialista e revolucionária para construir uma estratégia de permanência no governo. Entender como bolchevismo a ocupação dos dez mil cargos de confiança por membros do PT é não entender o que é burocracia (que não foi inventada nem se restringe à experiência socialista). Já que o próprio autor propôs, eu tenho uma dica: vá ler Weber.
Por fim, não é a defesa da ordem capitalista, não é a sociedade burguesa… é a humanidade que precisa ser defendida, diz o príncipe angustiado. Não, não é. A ordem capitalista e os interesses burgueses foram devolvidos à sua particularidade, perderam a universalidade abstrata e restrita que um dia expressaram na fase revolucionária da burguesia. Capital e humanidade são hoje antagônicos, o que implica dizer que a sobrevivência de um ameaça a continuidade de outro.
Quando a solução era o capitalismo a história tinha sentido e objetividade, agora que chegamos ao capitalismo plenamente desenvolvido e o mundo, nas palavras de Adorno e Horkheimer, se assemelha a uma calamidade triunfal, devemos encarar que devemos “acabar com a fé e a esperança – trabalhar no mundo do não sentido, procurar caminhos, sem saber para onde vamos”! Bem vindo ao deserto da pós-modernidade.
Há uma alternativa para o Brasil e para o mundo e esta alternativa é anticapitalista e socialista. O que fracassou no Brasil foi o capitalismo real, aquele que estão nos impondo durante todo o século XX e início do século XXI sempre nos afirmando que agora vai. Não foi, e estamos escrevendo numa conta para o dia que este mundo vai virar. Se a ordem moribunda do mercado e do capital confunde sua existência com a da humanidade e quer arrastar-nos para a cova para a qual caminha, devemos nos desvencilhar de suas armadilhas ideológicas e recusar os conselhos dos profetas que nos empurram para o abismo para nos salvar da queda.
Não há esta passagem que vou citar no livro de Dostoiévski, mas depois que aprendi que posso me livrar do real, fiquei mais tranquilo em descrevê-la. O príncipe Liev Nikoláievitch Míchkin, em determinado momento, lamenta-se que as pessoas acham que ele é um idiota, mas não deixam de perceber sua grande inteligência. Neste momento, lá da realidade, sai um operário, entra na cena, atravessa a sala e colocando a mão no ombro de Míchkin, mais amistoso que violento, lhe diz com voz calma: Míchkin… você é um idiota!

sexta-feira, 29 de março de 2013

O PAPA E A VIDA


Que dirá el Santo Padre?
Que vive en Roma,
que le están degollando,
a su paloma Violeta Parra
 
 
 
 
Há um novo Papa, é latino-americano e se denominou de Francisco, segundo ele por sugestão do Cardeal brasileiro para demonstrar que a Igreja não esqueceu dos pobres.
A Igreja nunca esqueceu dos pobres, eles são seu principal combustível, assim como o medo, a morte e o vazio da existência. Na espetacularização da vida, arte na qual as instituições religiosas são especialistas, são fundamentais os ritos, o mistério, o segredo, o manto que encobre a materialidade da qual parte, assim como o jogo de espelhos que refletem o real invertido no caleidoscópio das imagens refratadas.
Milhares de pessoas no mundo cultivam seu vínculo com o sagrado, buscam encontrar alguma relação entre a imediaticidade do cotidiano, a origem e seu destino, no interior da mundanidade ou além desta, em outra vida que supere a morte. Em relação a este sentimento religioso e às pessoas que nele acreditam, devemos guardar – ainda que discordando – o mais sincero respeito.
No entanto, em relação às instituições que são a cristalização burocrática deste fenômeno, que se erguem como força estranha contra aqueles que a produziram, que no seu gigantismo prepotente e arrogante, com seus ritos ridículos e sua pretensão de seriedade, reproduzem e ampliam a alienação e o estranhamento, devemos exercer e cultivar a mesma crítica que dirigimos à todas as formas outras deste mesmo fenômeno.
Repetimos com Maiakókiski: “como um lobo estraçalharia toda a burocracia”, a certas credenciais não guardamos nenhum respeito. Nós, marxistas, costumamos ser muito severos com nossas próprias instituições quando se degeneram em formas estranhadas, não poderia ser diferente contra uma instituição que faz disso uma virtude e se fundamenta ela mesma numa manifestação social que é a forma fundante da alienação. Como dizia Feuerbach, todo sentimento religioso é a expressão de um ser humano que antes de encontrar em si o sol de sua existência o projeta para fora, daí a noção marxiana que toda a emancipação humana é o retorno ao homem daquilo que é humano.
A atenção atraída em torno da saída do Papa antigo e sua substituição por este “novo” é compreensível. Além das citadas milhares de pessoas que seguem passiva ou ativamente a religião católica, trata-se de uma instituição com grande poder e presença no mundo contemporâneo e o perfil de seu dirigente tem incidência direta nos rumos da instituição.
Isso não nos impede, no entanto, de destacar o caráter absolutamente anacrônico desta instituição e, uma vez abordado por olhos críticos, não podemos deixar de usar o qualificativo ridículo diante de um grupo de pessoas com chapéus pontudos, reunindo-se em segredo, comunicando-se por fumaça e depois, em pleno início do século XXI, coroando um monarca ungido simbolicamente por Deus.
Faz parte do espetáculo a especulação. Por que teria deixado o cargo o papa nazista? O que vem agora é reacionário, apoiou a ditadura Argentina (seus defensores afirmam que é um mal entendido)? Seria um progressista que escolheu o nome de Francisco porque lembrou dos pobres da América Latina? O que teriam discutindo os senhores cardeais no enclave, princípios teológicos, permaneceram em silêncio reverencial para escutar a voz de Deus iluminando sua escolha ou analisaram grossos dossiês da vida pregressa dos papáveis prevenindo-se de futuras surpresas amargas?
Não sabemos. O negócio é secreto por algum motivo. O que sabemos é que debaixo da coroa-chapéu do Papa, envolto num manto branco de pureza celestial, com cajado (de ouro) em uma mão e a outra levando aos céus dois dedos, com uma voz rouca em um italiano em que ressoa as velhas catacumbas sob a cidade eterna, ele vai aparecer numa janelinha, uma multidão emocionada que não vê nada (mas quem tem fé não precisa disso) vai ouvi-lo falar dos sérios problemas do mundo e do abraço fraterno aos que sofrem. As televisões de todo o mundo cobriram o acontecimento, especialistas analisaram cada palavra e seus significados revelados e ocultos.
E a vida vai continuar. Nos lares das famílias pobres o velho retrato do Papa alemão que substituiu o reacionário polonês será substituído pelo do argentino. Os latino-americanos serão tomados por um orgulho incompreensível. A rivalidade com nossos amigos argentinos vai ganhar novas piadas. O papa pode ser argentino, mas Deus continua sendo brasileiro. A vida segue.
Um senhor chamado Mennini que dirige uma coisa chamada Amministracione Del Patrimônio della Sede Apostólica, que trabalha com a gestão do patrimônio da Santa Sé, uma bagatela de 680 milhões de euros que tem sua origem no dinheiro que Mussolini (aquele mesmo, o Benito) havia dado ao Vaticano em 1929 em troca do reconhecimento do regime fascista (certamente é só mais um mal entendido), vai explicar ao novo Papa, como andam os negócios, em Bancos, empresas, e outras áreas desta ordem mundana.
Por alguma razão estranha à minha compreensão, os pobres latino-americanos acordaram mais esperançosos. A Santa Igreja, certamente acordou um pouco mais rica.
Conta-se uma história que o presidente Juscelino Kubtischek ia visitar o Papa e queria levar um presente especial. Lá em Minas havia um artesão extremamente talentoso famoso por suas caixas de madeira com finos acabamentos de marchetaria e que, além de artista, era militante do PCB. O comunista inicialmente se recusou, mas diante da insistência do presidente fez uma linda caixa toda trabalhada e forrada do mais fino veludo roxo vaticânico e repassou ao viajante que a entregou ao Papa.
Em seu retorno, Juscelino foi agradecer ao comunista mineiro e este lhe falou: “sabe aquela caixinha que foi dada ao Santo Padre, então, embaixo daquele veludo que cobre o interior da caixa, está gravado com fogo, fundo e indelével, uma foice e um martelo junto à inscrição – Viva o partido Comunista Brasileiro”.
Bom, nós também queríamos dar um presente ao novo Papa. É só procurar naquele enorme acervo onde estão guardados os presentes que os Papas recebem, uma caixinha que deve estar com seu forro um pouco corroído revelando um velho recado de um querido e criativo camarada.
Viva os 91 anos do Partido Comunista Brasileiro!
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Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência(Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

quinta-feira, 21 de março de 2013

REFLEXÕES SOBRE A CONSULTA À REITORIA DA UNICAMP


O processo de consulta à reitoria da UNICAMP, que acontece no mês de março de 2013, promove diversas reflexões acerca da democracia na universidade brasileira e de nosso projeto para uma universidade que atenda aos interesses da classe trabalhadora.
Fazendo um breve histórico do processo de consulta à reitoria, esta foi instituída durante o período da ditadura militar no Brasil, como maneira de garantir o acesso aos altos cargos dentro da universidade apenas àqueles que fossem aliados ao governo ditatorial.
O processo acontece da seguinte maneira: os candidatos ao cargo da reitoria submetem-se a um processo de consulta na comunidade acadêmica; a votação, que envolve docentes, funcionários e estudantes elenca uma lista de “preferência” da comunidade universitária. Essa lista é encaminhada ao Conselho Universitário (Consu), do qual é aprovada uma lista tríplice (com os 3 candidatos mais votados), e encaminhada ao governo do Estado. O governador do Estado escolhe um entre os candidatos encaminhados nessa lista tríplice para ocupar o cargo da reitoria, podendo optar não necessariamente pelo candidato mais votado.
Uma peculiaridade é o fato de que a votação, além de ser apenas uma consulta, não é paritária. O total dos docentes da universidade corresponde a 3/5 dos votos; o total de funcionários da universidade corresponde a 1/5 dos votos; o total de estudantes da universidade corresponde a 1/5 dos votos. Fazendo as contas considerando o total de votos que podem ser obtidos, o resultado mostra-se ainda mais assustador: o voto de 1 docente corresponde ao voto de aproximadamente 40 estudantes e aproximadamente 15 funcionários.
A partir dessa contextualização, devemos refletir sobre três aspectos principais: o processo eleitoral em si; a questão da democracia na Universidade; e nosso projeto de Universidade.
A reflexão sobre o processo eleitoral deve ser precedida de outro debate bastante importante para o entendimento do posicionamento dos comunistas nesse aspecto: o caráter do Estado na sociedade capitalista. Mas o que isso tem a ver com a consulta à reitoria?
Um fato importante de entendermos é que a consulta para reitoria é uma eleição indireta; carrega com si as mesmas características que qualquer processo eleitoral em nossa sociedade.
Um primeiro aspecto semelhante com a reflexão que fazemos sobre as eleições burguesas é o fato de que os trabalhadores somente são convidados a pensar os rumos da sociedade e da universidade no momento eleitoral. Em nossa sociedade, e em nossa universidade, quando os trabalhadores se unem para reivindicar melhores condições de trabalho ou para pensar rumos diferentes para nossa sociedade, são prontamente reprimidos, seja pela força policial, seja através de sindicâncias ou punições dentro da universidade. Os exemplos que já aconteceram em nossa universidade nos últimos anos são muitos e não nos cabe nessa reflexão nos alongarmos nesse aspecto.
Outra característica importante de salientarmos é o revestimento do discurso da “democracia burguesa” quando se fala nesse processo de consulta. Esse falso discurso se constitui na ilusão de que os rumos da universidade são tomados a partir da vontade da maioria, afinal, o processo eleitoral seria apenas a expressão da “vontade do povo”. Dentro da universidade, esse discurso, de certa maneira, pulveriza-se devido ao processo eleitoral ser anacrônico, diferenciado; mas nunca se perde a rotulação de “processo democrático”.
Ao fazermos a analise do processo eleitoral em nossa sociedade, no entanto, tal discurso de “democracia” ganha mais força junto à população. Para devidamente analisar a realidade, temos que analisar a História abarcando a sociedade como um todo; devemos entender que a sociedade capitalista é uma sociedade dividida em classes sociais (trabalhadores x burguesia) em constante conflito.
O Estado, nesse embate, é apresentado como um mediador, como o representante do interesse de todos. O que aprendemos com a História, entretanto, é que o Estado não tem como função fazer a mediação entre as duas classes, mas sim, garantir a produção e a reprodução da sociedade capitalista. Nos momentos em que o Estado não cumpre com seu suposto papel de “mediador entre o interesse de toda a população”, interpreta-se isso como uma conduta dependente daqueles que estão governando o Estado e, pensa-se que isso poderia ser resolvido com a mudança desses representantes anteriormente eleitos; falácia essa que é produzida e reproduzida pela “democracia burguesa”.
O que nos importa nesse debate, em nossa reflexão acerca do processo de consulta na UNICAMP, é o questionamento acerca das ilusões sobre a mudança nos rumos da universidade a depender do programa apresentado por diferentes candidatos. A reitoria não representa os interesses de todos os funcionários e estudantes da UNICAMP, mas sim os interesses de seu grupo político.
Os projetos de universidade que se destacam nessa disputa eleitoral são projetos em conformidade com o projeto que vem sendo implementado no país ao longo dos últimos anos: um projeto de precarização, terceirização e privatização dos espaços públicos (observem a discussão e proposições sobre autarquização do HC, pesquisas acadêmicas, financiamento da universidade, parcerias público-privadas de todos os reitoráveis).
O segundo aspecto de fundamental importância a ser analisado é sobre a democracia na universidade, tema que o processo de consulta à reitoria traz à superfície do debate. Como já explicado acima, esse processo de consulta abre precedentes para a escolha pelo governador do Estado de outro candidato que não seja o mais votado. Entre alguns exemplos que podemos citar de ocorrência recente foi em 2009, quando o então governador do Estado, nomeou como reitor da USP (Universidade de São Paulo) o segundo colocado na lista de eleitos pela comunidade acadêmica, o atual reitor Rodas.
Em 2013, o atual reitor da USP (o Rodas), escolheu para ocupar o cargo de diretor da faculdade de medicina do campus de Ribeirão Preto o segundo colocado na lista tríplice Tais fatos, obviamente, não passaram despercebidos. Houve uma grande mobilização estudantil, de docentes e de funcionários questionando essas atitudes. Manifestações sempre reprimidas de maneira bastante truculenta pelos respectivos poderes públicos.
O segundo aspecto a se pensar sobre a questão da democracia na universidade é sobre a paridade nas votações e decisões dentro da universidade, o que não existe atualmente. A paridade sempre foi uma bandeira do movimento estudantil e uma pauta que mobiliza e agrega diversos estudantes.
A luta pela paridade nas votações ocorridas dentro da universidade, acima de tudo, é uma luta pela conquista de um direito dentro da sociedade em que vivemos, o que não a torna menos importante; lutar pela paridade é uma maneira de enfrentar os obstáculos que se coloca diante da classe trabalhadora na sociedade atualmente; é uma conquista necessária dentro do espaço da universidade, como maneira de avançar na formulação das pautas estudantis e nas pautas dos funcionários.
Diante desse quadro, o que propomos para o processo de consulta à reitoria e para a universidade brasileira?
Defendemos, em primeiro lugar, o voto nulo na consulta à reitoria. Por entendermos a limitação do processo eleitoral e pela falta de uma candidatura de esquerda para se apoiar e construir nesse processo, por entendermos que o processo é destituído de qualquer resquício democrático, por entendermos que as propostas dos reitoráveis não se propõem a mudar os rumos que a universidade brasileira vem tomando nos últimos anos, por entendermos que nenhuma das candidaturas representa os interesses da classe trabalhadora para com a universidade brasileira e para com a sociedade, optamos pelo voto nulo.
E nossas propostas para a universidade, quais são?
Acreditamos na importância de se organizar e lutar pela manutenção dos direitos já conquistados dentro da universidade (que estão cada vez mais sendo ameaçados) e pela ampliação desses direitos dentro da ordem atual. É importante perceber, entretanto, que os limites e contradições da universidade que temos não são problemas de um modelo universitário, mas, expressão dos limites da emancipação política própria da ordem colocada, ou seja, é o máximo de emancipação que podemos chegar “dentro da ordem mundana até agora existente”.
            A luta por uma universidade da classe trabalhadora não pode ser a luta apenas por uma universidade “democratizada”, com mais acesso dos trabalhadores. Como diria Mauro Iasi: “Devemos afirmar, parodiando Brecht, que ali onde a burguesia fale, os trabalhadores falarão, ali onde os exploradores afirmem seus interesses, os explorados gritarão seus direitos, ali onde os dominadores tentarem mascarar sua dominação sob o véu ideológico da universalidade, os dominados mostrarão as marcas e cicatrizes de sua exploração”.
Na prática isso significa uma defesa do caráter público da universidade contra suas deformações mercantilizantes e privatistas em curso; não uma convivência formal entre ensino, pesquisa e extensão, mas sua efetiva integração; a recusa em aceitar uma formação profissional rebaixada convivendo com as ilhas de excelência; romper os muros universitários não para levar conhecimento aos “menos favorecidos”, mas para constituir uma unidade real com a classe trabalhadora e suas reais demandas.
A universidade que queremos construir é mais que pública (precisa ser radicalmente pública), é uma universidade da classe trabalhadora e para ela. A luta pela transformação da Universidade é uma luta anticapitalista e socialista, e mostra que ao se defrontar com os limites da emancipação política (como a consulta para a reitoria) dentro da universidade, apresenta-se a necessidade da emancipação humana.
Apoiamos o voto nulo e estaremos na luta contra o processo de precarização do trabalho, de privatização da universidade e de repressão contra os trabalhadores e estudantes!

PCB – PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO

domingo, 10 de março de 2013

Manifesto de Repúdio à Proposta do Governo Federal de Subsidiar os Planos Privados de Saúde


A Frente Nacional contra a Privatização da Saúde repudia o conjunto de medidas que, segundo notícia veiculada na Folha de São Paulo em 27/02/2013 , o Governo Federal prepara desde o início do ano e que amplia a trilha da privatização da saúde em curso, através da radicalização do favorecimento já amplo ao mercado de planos e seguros de saúde.
Na reportagem é relatado que a própria Presidenta, pessoalmente, vem negociando com grandes empresas que atuam no mercado de planos privados de saúde – a maioria controlada ou com grande participação do capital estrangeiro e grandes doadoras da campanha presidencial de Dilma Rousseff – um pacote de medidas que transferirão mais recursos públicos para suas já vultosas carteiras através de redução de impostos, novas linhas de financiamento e outros subsídios a expansão do seu mercado.
Tal proposta consistiria na prática em universalizar o acesso à saúde das pessoas através de planos e seguros privados, e não através de serviços públicos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O preceito constitucional da saúde como direito é ferido mortalmente, ao ser substituído por uma abordagem da saúde como mercadoria a ser mais amplamente consumida, especialmente para as chamadas classes C e D, para impulsionar o atual modelo de desenvolvimento.
Esta pode ser a formalização final para a instituição de um seguro saúde e criação de um Sistema Nacional de Saúde integrado com o setor privado, tendo como consequência acabar com o SUS ou torná-lo um sistema focalizado, consagrando o processo de universalização excludente que vem ocorrendo desde os anos 1990 com a saída dos trabalhadores melhores remunerados que foram impulsionados à compra de serviços no mercado privado devido ao sucateamento do SUS. Esse movimento faz parte do mesmo processo de aprofundamento da subordinação do país ao grande capital financeiro, atrelado aos interesses do imperialismo. Contra fatos não há argumentos: há um há um há um há um há um há um crescimento no número de usuários de planos de saúde de 34,5 milhões, em 2000, para 47,8 milhões, em 2011, tendo o Brasil se tornado o 2º mercado mundial de seguros privado, perdendo apenas para os Estados Unidos da América.
A referida medida que beneficia os planos privados é anunciada poucos meses depois da venda de 90% da AMIL, maior operadora de planos privados de saúde do Brasil, para a empresa norte-americana United Health, e do anuncio do seu fundador, Edson Godoy Bueno, um dos maiores bilionários brasileiros, da meta destes planos atingirem 50% da população brasileira, ou seja, duplicar a sua cobertura para 100 milhões de brasileiros. A estratégia anunciada pela United Health para o Brasil é crescer entre o público de baixa renda.
Tal política não responde aos interesses da maioria da Nação: sistemas de saúde controlados pelo mercado são caros, deixam de fora idosos, pobres e doentes, são burocratizados e desumanizados, pois as pessoas são tratadas como mercadorias. Se o SUS hoje não responde aos anseios populares por uma saúde universal de qualidade de acordo com a Constituição de 1988 não é pelas deficiências do modelo - há modelos de sistemas universais como Reino Unido e Cuba, amplamente bem considerados pela população e com indicadores de saúde melhores dos que o sistema de mercado da nação mais rica do planeta, os EUA – mas porque os governos não alocam recursos suficientes, não cumprem a legislação e porque a democracia, expressa no controle da sociedade sobre o sistema de saúde, não é respeitada.
O que se constata é que o Estado está cada vez mais mínimo para o SUS e máximo para o mercado. A privatização desta vez não é de forma travestida de modernização da gestão, como no caso dos “novos” modelos de gerenciamento: Organizações Sociais (OSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Fundações Estatais de Direito Privado (FEDPs), Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e Parcerias Público-Privada (PPPs). Ou mesmo na forma da complementariedade invertida, em que a rede privada em vez de ser complementar à pública, tem absorvido 62% dos recursos públicos destinados aos procedimentos de alta e média complexidade, através de convênios e contratação de serviços da rede privada pelo SUS.
A atual inflexão, se confirmada, vaticina uma total derrota do Movimento da Reforma Sanitária, que na 8ª Conferência Nacional de Saúde defendia uma progressiva estatização do setor, pois o inverso é que se materializaria. Tornar-se-ia absoluta, e em níveis nunca antes vistos nesse país, a tendência da nossa história recente de alocar cada vez mais os fundos públicos para o setor privado da saúde em detrimento da ampliação do setor público para a garantia do direito de todos à saúde e do dever do Estado de prestar serviços à população.
Por que o governo tem recursos para subsidiar o setor privado e não tem para ampliar a rede pública de saúde? Por que o governo não atende às demandas dos movimentos sociais, das Conferências Nacionais de Saúde e dos Conselhos de Saúde para destinar 10% da receita corrente bruta da União para a saúde pública? Por que a regulamentação da Emenda 29 não trouxe recursos novos para o SUS como estava previsto? Por que se aprofunda a precarização da força de trabalho na saúde e a terceirização dos serviços de saúde? Por que se mantém a DRU (Desvinculação das Receitas da União)? Porque há uma Lei de Responsabilidade Fiscal draconiana e nenhuma lei de responsabilidade sanitária ou social? Por que não se respeita o controle social?
A Frente Nacional contra a Privatização da Saúde tem empreendido lutas contra todas as formas de privatização que vem ocorrendo após os anos 1990. Contra o desmonte do SUS público estatal e às medidas do atual governo de fortalecimento do setor privado de saúde, a Frente reafirma suas bandeiras:
* Defesa incondicional do SUS público, estatal, universal, de qualidade e sob comando direto do Estado.
* Contra todas as formas de privatização da rede pública de serviços: OSs, OSCIPs, Fundações Estatais de Direito Privado, Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares; e Parcerias Público Privadas.
* Contra a implantação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), impedindo a terceirização dos Hospitais Universitários e de ensino federais.
* Pela Inconstitucionalidade das Leis que criam as Organizações Sociais (OSs) e a EBSERH.
* Defesa de investimento de recursos públicos no setor público.
* Pela gestão e serviços públicos de qualidade
* Defesa de concursos públicos RJU e da carreira pública no Serviço Público.
* Contra todas as formas de precarização do trabalho.
* Pelo fim da Desvinculação das Receitas da União (DRU).
* Exigência de 10% da receita corrente bruta da União para a saúde.
* Defesa da implementação da Reforma Psiquiátrica com ampliação e fortalecimento da rede de atenção psicossocial, contra as internações compulsórias e a privatização dos recursos destinados à saúde mental via ampliação das comunidades terapêuticas.
* Pela efetivação do Controle Social Democrático.
* Por uma sociedade justa, plena de vida, sem discriminação de gênero, etnia, raça, orientação sexual, sem divisão de classes sociais!
FRENTE NACIONAL CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE
Março/2013
http://www.contraprivatizacao.com.br/2013/03/manifesto-de-repudio-proposta-do.html

terça-feira, 29 de janeiro de 2013







Famílias assentadas há sete anos correm o risco de despejo nas próximas semanas. 

PCB na luta!

No final de 2005, os trabalhadores da região de Campinas e todos aqueles que os apóiam na luta contra o capital ganharam uma trincheira, o Assentamento Milton Santos. Depois de uma sequência de ocupações e despejos capitaneada pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), conseguiram enfim a posse de 104 hectares de terra cravados nas cidades de Americana e Cosmópolis, em meio a um mar de cana, interesses de latifundiários e ausência quase total do Estado, desafios superados por meio de muita luta.

A gleba pertencia na época ao INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), fruto de ressarcimento de uma dívida que a família Abdala - conhecida por latifundiária, especuladora e grileira entre outros “honráveis” adjetivos – possuía com tal entidade. O Governo Federal já naquela época materializava a famosa marchinha, pagando com traição a quem sempre lhe dera a mão: tirara do cardápio de opções a possibilidade de desapropriar terras que não cumprissem a função social, contrariando o inciso XXIII do art. 5º da constituição brasileira. Das opções legais que restavam estava a de utilização de terras públicas, das quais esta gleba, a qual fora passada ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que iniciou o processo de assentamento de 68 famílias. Além do abandono da constituição, o próprio INCRA teve de passar por cima de suas regras e “assentou” 68 famílias em lotes menores que os que ele mesmo estabelece como mínimo para garantia de sobrevivência digna. Como já dizia o filósofo “prática como critério de verdade”, com tal critério facilmente se reconhece o abandono da reforma agrária no governo do PT (Partido dos Trabalhadores).

Com terras insuficientes, o assentamento nunca se completou, as assistências técnica, financeira e política sempre foram parcas, ainda assim os assentados construíram suas casas, cultivaram hortas (individuais e coletivas), levantaram espaços comuns de vivência (barracão e cozinha comunitários, sala de aula, campo de futebol, por exemplo) e principalmente, produziam comida (sem agrotóxicos), sonhos e exemplos de solidariedade.

A trincheira se tornou um quartel general. Dentro desse espaço inúmeros militantes se formaram, desde os próprios assentados, passando pelos vários universitários ligados a projetos de extensão que ali atuaram e outros tantos militantes que prestaram solidariedade e emprestaram suas mãos na luta. Por ali passou a resistência do acampamento Elizabeth Teixeira quando da violenta reintegração de posse e das inúmeras reintegrações do acampamento Roseli Nunes.

Hoje, cerca de 7 (sete) anos depois, uma decisão em 2ª instância a favor da família Abdala e da Usina Esther, aliada a um completo imobilismo do INCRA - que perdeu os prazos (!) para recorrer à decisão e deixá-la a cargo do STJ (Superior Tribunal de Justiça) – ameaça tornar este oásis mais uma área infértil onde a diversidade será trocada pela monocultura e onde a luta por uma vida digna será substituída pelo trabalho semi-escravo dos bóias-frias.

Mais uma vez a prática desnuda a verdade, agora do caráter desumano do capitalismo e de sua “justiça” que prioriza o lucro do agronegócio em detrimento das quase 70 famílias cujas vidas tendem a engrossar as estatísticas dos bolsões de miséria urbana. Cabe ressaltar que aquilo que incomoda mais os poderosos não são os 104 hectares de terra perto dos quase 8000 cultivados pela usina, mas sim exatamente essa trincheira montada em pleno território inimigo e que hoje vem servindo de espaço de aglutinação de toda a esquerda da região de Campinas.

As famílias do Assentamento sofrem esta ameaça há mais de seis meses. Na última terça-feira, 15 de janeiro, as famílias ocupadas na sede do INCRA receberam a notificação judicial para que desocupem a área no prazo de 15 dias. Caso permaneçam e resistam, está autorizado o uso da força policial estadual e federal para realizar o despejo. Ao longo deste período, várias medidas judiciais foram tomadas e representantes do governo federal se “comprometeram” a não despejar as famílias. Entretanto nenhuma medida efetiva, de fato, foi realizada. Caso a presidenta Dilma não assine a desapropriação da terra, será o primeiro caso na história, desde o surgimento do MST, de um assentamento sofrer reintegração de posse.

Como forma legítima de resistência, as cerca de 70 famílias e apoiadores do Assentamento Milton Santos (diversos movimentos sociais, partidos de esquerda e organizações em defesa dos direitos humanos) ocuparam o prédio do INCRA na cidade de São Paulo. Visam denunciar o risco eminente de despejo e exigem da presidenta Dilma Rousseff que assine o decreto de desapropriação por interesse social (Lei nº 4132/1962), evitando assim uma possível tragédia.

Ao longo dos últimos dias, o caso repercutiu nos grandes meios de comunicação brasileiros e na mídia estrangeira, dentre eles: UOL , IG , Globo , Record , Estadão , Folha de S. Paulo  e BrazilianPost (Londres) .

Passaram pela ocupação muitos apoiadores: Deputado federal Ivan Valente (PSOL), Deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL), Deputado estadual Adriano Diogo (PT), Vereador Toninho Véspoli (PSOL), MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), MPL (Movimento Passe Livre de São Paulo), Cooperativa Paulista de Teatro, SINTUSP (Sindicado dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo), Comitê de apoio aos Guarani-Kaiowás, Tribunal Popular, PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular Conlutas), Movimento Terra Livre, MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), Movimento Autônomo Socialismo Libertário, DCE-USP (Diretório Central dos Estudantes da Universidade de São Paulo), Coletivo Rompendo Amarras, Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal, Quilombo Raça e Classe, Fábrica Ocupada Flaskô, Sinsprev (Sindicato da Saúde e da Previdência de São Paulo), Movimento Luta Popular, Comitê contra o genocídio da juventude negra e pobre, Fórum Popular de Saúde, ITCP-UNICAMP (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares) e
ANEL (Assembléia Nacional dos Estudantes Livres).

Apoio do PCB

O PCB, reconhecendo a importância dessa luta, desse espaço e a iminência de outro massacre durante uma possível reintegração, vem condenar o descaso do INCRA, da Justiça estadual e a passividade do Governo federal. Vem também oferecer todo apoio possível na luta desses trabalhadores do campo e elogiar todo o empenho dos aliados na pressão pela desapropriação por interesse social, que só será obtida com muita mobilização.

Despertemos a solidariedade de classe que há dentro de cada um na defesa do Assentamento Milton Santos!

Viva a luta do povo trabalhador do campo!

Viva o Assentamento Milton Santos!  

sábado, 27 de outubro de 2012

Pochmann e Donizette, diferenças?


O PCB volta a afirmar que as eleições burguesas não passam de uma farsa, a cada dois anos chamam a população para depositar seus votos nas urnas em eleições claramente definidas pelo jogo de interesses burguês e por quem tem mais dinheiro, obtido pelo financiamento privado de campanha. Entre estes dois anos não temos o direito de decidir nem mesmo se o ônibus passa na nossa rua ou na paralela.

No entanto, não é de se negar que pode haver diferenças entre candidatos, que irão se reflitam em mudanças de fato no cotidiano da população trabalhadora que o elege. Campinas infelizmente não é o caso.

O candidato mais votado, Jonas Donizetti, dispensa apresentações, representante e aliado dos setores mais conservadores e retrógrados da sociedade, tendo na sua coligação nada menos que DEM e PSDB, dignos representantes da burguesia financeira, sendo o primeiro desses partidos o herdeiro da ARENA, partido da ditadura militar. Entre suas contribuições como deputado, ele votou à favor do projeto do governo tucano que permite a venda de 25% das vagas de hospitais públicos administrados pelas OSs (organizações sociais) para convênios de saúde. Entre seus financiadores de campanha constam agentes da especulação imobiliária como a TC Terrenos e Casas Empreendimentos ltda”.

A segunda opção, e talvez motivo de dúvidas entre os trabalhadores e setores de esquerda, é Marcio Pochmann. Este tem sua origem na academia, professor universitário e ex dirigente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e porta-voz de ideias mais progressistas, o que pode levar à ilusões do que seria um possível governo PT liderado por esta figura.

Desmintamos essas ilusões primeiro afirmando que a política de uma cidade, estado ou país não é feita pela pessoa que encabeça o executivo. Por mais que o prefeito tenha papel importante, o conjunto de aliados e financiadores de campanha são os que de fato dão a linha em uma administração municipal, importante destacar que o projeto politico do Partido dos Trabalhadores está de acordo com essas alianças com grandes empresas. Acordos, planos de políticas públicas, prioridades de investimento são definidas nos bastidores da política e longe dos palanques de rádio e TV. Além do mais, propostas e ações aparentemente em prol dos trabalhadores e dos mais necessitados podem e vem constituindo uma forma de ludibriá-los, cooptá-los e mantê-los num estado de passividade.


Pode-se começar com uma análise breve dos quase 10 anos de governo petista a nível nacional. Pautas históricas, que um dia fizeram parte do programa do PT e com as quais ganhou a confiança de uma parcela significativa do eleitorado que colocou Lula na presidência como a reforma agrária, aumento de espaços de democracia direta, suspensão e auditoria da dívida pública, reversão de privatizações, entre outras, foram abandonadas. Ao invés disso, garantiu-se o pagamento bilionário da dívida pública; retirou-se direitos trabalhistas como na reforma da previdência e planeja-se agora “flexibilizar” a CLT; retrocedeu-se na reforma agrária garantindo espaço para membros do agronegócio e muito crédito de baixo custo para este e continuou-se o processo de privatização de estradas e aeroportos. O governo Lula conseguiu avançar contra os trabalhadores em pontos que nem os originais representantes da burguesia, encabeçados por PSDB e DEM, conseguiram. Para manter o nível de conformidade, seguindo o receituário do Banco Mundial, distribuiu migalhas na forma de bolsas e aumentou o crédito privado, passando a impressão de ganhos reais à população enquanto a estrutura desigual de renda e direitos não só não foi alterada em favor dos trabalhadores, como retrocedeu.


Prática é o critério da verdade, cabe partirmos da realidade levantando exemplos de governos do mesmo partidos, em outras esferas, mas que segue a mesma linha de poder pelo poder. O primeiro é o do governo Baiano, chefiado por Jaques Wagner. Neste ano de 2012 deu tratamento digno de Alckmin/Serra à greve dos professores: intransigência e truculência à reivindicação de reposição salarial, contentando-se em afirmar que o estado já cumpria o piso nacional da categoria. Ainda no começo deste ano outra greve recebeu o mesmo tratamento, a greve dos policiais militares, na qual houve intervenção de Forças de Segurança Nacionais. E por fim, um grande exemplo foi a declaração do governo PTista em relação a greve da instituições de ensino superior federais, o governo colocou que enquanto estivessem em greve não conversaria sobre propostas. Além dessa criminalização dos movimentos reivindicatórios, o governo do PT conseguiu avançar na privatização e investimento dos setores privados de forma que a direita clássia não conseguiu: intensificação da política de privatização e investimento público no setor privado nas áreas de saúde e educação de forma nunca antes vista PROUNI e PROFIS na educação e as Fundações Estatais de  Direito Privado (FEDP) e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) na saúde, privatização de estradas federais e pedágios. 


Por fim, foquemos no candidato em questão. Vale levantarmos bandeiras históricas dos trabalhadores para administrações municipais e que um dia foram também de alguns setores do PT. Entre as principais destacamos algumas:
  • a municipalização do transporte público, transformando-o num serviço de fato público e seu brutal barateamento ou gratuidade para estudantes e desempregados;
  • a auditoria da dívida municipal e dos contratos de prestação de serviços como a coleta de lixo, eliminando encargos ilegítimos ou mesmo ilegais;
  • redução drástica dos cargos comissionados e abertura de concursos públicos;
  • planos de carreira, aperfeiçoamento e aumento salarial para o funcionalismo fazendo com que a máquina pública funcione com qualidade para a população;
  • não privatização dos setores públicos, com ênfase para a saúde como vem sendo feito com a administração dos hospitais municipais pelas Oss;

Ao analisarmos as propostas de Pochmann, nos seus “13 pontos para Campinas” nenhum desses pontos são tocados à fundo. As propostas passam por promessas vagas, superficiais e genéricas. Analisando de forma mais ampla o seu plano de governo, novamente não se encontram os pontos acima referidos.

Enfim, tenhamos clareza que a vida em Campinas não se alterará de forma significativa e nem as estruturas de poder e gestão da cidade o farão em prol dos trabalhadores, como ja foi mostrado através das semelhanças das práticas tando de um como de outro partido, assim,  o PCB vem aqui conclamar pelo voto nulo nesse segundo turno eleitoral.