quinta-feira, 21 de março de 2013

REFLEXÕES SOBRE A CONSULTA À REITORIA DA UNICAMP


O processo de consulta à reitoria da UNICAMP, que acontece no mês de março de 2013, promove diversas reflexões acerca da democracia na universidade brasileira e de nosso projeto para uma universidade que atenda aos interesses da classe trabalhadora.
Fazendo um breve histórico do processo de consulta à reitoria, esta foi instituída durante o período da ditadura militar no Brasil, como maneira de garantir o acesso aos altos cargos dentro da universidade apenas àqueles que fossem aliados ao governo ditatorial.
O processo acontece da seguinte maneira: os candidatos ao cargo da reitoria submetem-se a um processo de consulta na comunidade acadêmica; a votação, que envolve docentes, funcionários e estudantes elenca uma lista de “preferência” da comunidade universitária. Essa lista é encaminhada ao Conselho Universitário (Consu), do qual é aprovada uma lista tríplice (com os 3 candidatos mais votados), e encaminhada ao governo do Estado. O governador do Estado escolhe um entre os candidatos encaminhados nessa lista tríplice para ocupar o cargo da reitoria, podendo optar não necessariamente pelo candidato mais votado.
Uma peculiaridade é o fato de que a votação, além de ser apenas uma consulta, não é paritária. O total dos docentes da universidade corresponde a 3/5 dos votos; o total de funcionários da universidade corresponde a 1/5 dos votos; o total de estudantes da universidade corresponde a 1/5 dos votos. Fazendo as contas considerando o total de votos que podem ser obtidos, o resultado mostra-se ainda mais assustador: o voto de 1 docente corresponde ao voto de aproximadamente 40 estudantes e aproximadamente 15 funcionários.
A partir dessa contextualização, devemos refletir sobre três aspectos principais: o processo eleitoral em si; a questão da democracia na Universidade; e nosso projeto de Universidade.
A reflexão sobre o processo eleitoral deve ser precedida de outro debate bastante importante para o entendimento do posicionamento dos comunistas nesse aspecto: o caráter do Estado na sociedade capitalista. Mas o que isso tem a ver com a consulta à reitoria?
Um fato importante de entendermos é que a consulta para reitoria é uma eleição indireta; carrega com si as mesmas características que qualquer processo eleitoral em nossa sociedade.
Um primeiro aspecto semelhante com a reflexão que fazemos sobre as eleições burguesas é o fato de que os trabalhadores somente são convidados a pensar os rumos da sociedade e da universidade no momento eleitoral. Em nossa sociedade, e em nossa universidade, quando os trabalhadores se unem para reivindicar melhores condições de trabalho ou para pensar rumos diferentes para nossa sociedade, são prontamente reprimidos, seja pela força policial, seja através de sindicâncias ou punições dentro da universidade. Os exemplos que já aconteceram em nossa universidade nos últimos anos são muitos e não nos cabe nessa reflexão nos alongarmos nesse aspecto.
Outra característica importante de salientarmos é o revestimento do discurso da “democracia burguesa” quando se fala nesse processo de consulta. Esse falso discurso se constitui na ilusão de que os rumos da universidade são tomados a partir da vontade da maioria, afinal, o processo eleitoral seria apenas a expressão da “vontade do povo”. Dentro da universidade, esse discurso, de certa maneira, pulveriza-se devido ao processo eleitoral ser anacrônico, diferenciado; mas nunca se perde a rotulação de “processo democrático”.
Ao fazermos a analise do processo eleitoral em nossa sociedade, no entanto, tal discurso de “democracia” ganha mais força junto à população. Para devidamente analisar a realidade, temos que analisar a História abarcando a sociedade como um todo; devemos entender que a sociedade capitalista é uma sociedade dividida em classes sociais (trabalhadores x burguesia) em constante conflito.
O Estado, nesse embate, é apresentado como um mediador, como o representante do interesse de todos. O que aprendemos com a História, entretanto, é que o Estado não tem como função fazer a mediação entre as duas classes, mas sim, garantir a produção e a reprodução da sociedade capitalista. Nos momentos em que o Estado não cumpre com seu suposto papel de “mediador entre o interesse de toda a população”, interpreta-se isso como uma conduta dependente daqueles que estão governando o Estado e, pensa-se que isso poderia ser resolvido com a mudança desses representantes anteriormente eleitos; falácia essa que é produzida e reproduzida pela “democracia burguesa”.
O que nos importa nesse debate, em nossa reflexão acerca do processo de consulta na UNICAMP, é o questionamento acerca das ilusões sobre a mudança nos rumos da universidade a depender do programa apresentado por diferentes candidatos. A reitoria não representa os interesses de todos os funcionários e estudantes da UNICAMP, mas sim os interesses de seu grupo político.
Os projetos de universidade que se destacam nessa disputa eleitoral são projetos em conformidade com o projeto que vem sendo implementado no país ao longo dos últimos anos: um projeto de precarização, terceirização e privatização dos espaços públicos (observem a discussão e proposições sobre autarquização do HC, pesquisas acadêmicas, financiamento da universidade, parcerias público-privadas de todos os reitoráveis).
O segundo aspecto de fundamental importância a ser analisado é sobre a democracia na universidade, tema que o processo de consulta à reitoria traz à superfície do debate. Como já explicado acima, esse processo de consulta abre precedentes para a escolha pelo governador do Estado de outro candidato que não seja o mais votado. Entre alguns exemplos que podemos citar de ocorrência recente foi em 2009, quando o então governador do Estado, nomeou como reitor da USP (Universidade de São Paulo) o segundo colocado na lista de eleitos pela comunidade acadêmica, o atual reitor Rodas.
Em 2013, o atual reitor da USP (o Rodas), escolheu para ocupar o cargo de diretor da faculdade de medicina do campus de Ribeirão Preto o segundo colocado na lista tríplice Tais fatos, obviamente, não passaram despercebidos. Houve uma grande mobilização estudantil, de docentes e de funcionários questionando essas atitudes. Manifestações sempre reprimidas de maneira bastante truculenta pelos respectivos poderes públicos.
O segundo aspecto a se pensar sobre a questão da democracia na universidade é sobre a paridade nas votações e decisões dentro da universidade, o que não existe atualmente. A paridade sempre foi uma bandeira do movimento estudantil e uma pauta que mobiliza e agrega diversos estudantes.
A luta pela paridade nas votações ocorridas dentro da universidade, acima de tudo, é uma luta pela conquista de um direito dentro da sociedade em que vivemos, o que não a torna menos importante; lutar pela paridade é uma maneira de enfrentar os obstáculos que se coloca diante da classe trabalhadora na sociedade atualmente; é uma conquista necessária dentro do espaço da universidade, como maneira de avançar na formulação das pautas estudantis e nas pautas dos funcionários.
Diante desse quadro, o que propomos para o processo de consulta à reitoria e para a universidade brasileira?
Defendemos, em primeiro lugar, o voto nulo na consulta à reitoria. Por entendermos a limitação do processo eleitoral e pela falta de uma candidatura de esquerda para se apoiar e construir nesse processo, por entendermos que o processo é destituído de qualquer resquício democrático, por entendermos que as propostas dos reitoráveis não se propõem a mudar os rumos que a universidade brasileira vem tomando nos últimos anos, por entendermos que nenhuma das candidaturas representa os interesses da classe trabalhadora para com a universidade brasileira e para com a sociedade, optamos pelo voto nulo.
E nossas propostas para a universidade, quais são?
Acreditamos na importância de se organizar e lutar pela manutenção dos direitos já conquistados dentro da universidade (que estão cada vez mais sendo ameaçados) e pela ampliação desses direitos dentro da ordem atual. É importante perceber, entretanto, que os limites e contradições da universidade que temos não são problemas de um modelo universitário, mas, expressão dos limites da emancipação política própria da ordem colocada, ou seja, é o máximo de emancipação que podemos chegar “dentro da ordem mundana até agora existente”.
            A luta por uma universidade da classe trabalhadora não pode ser a luta apenas por uma universidade “democratizada”, com mais acesso dos trabalhadores. Como diria Mauro Iasi: “Devemos afirmar, parodiando Brecht, que ali onde a burguesia fale, os trabalhadores falarão, ali onde os exploradores afirmem seus interesses, os explorados gritarão seus direitos, ali onde os dominadores tentarem mascarar sua dominação sob o véu ideológico da universalidade, os dominados mostrarão as marcas e cicatrizes de sua exploração”.
Na prática isso significa uma defesa do caráter público da universidade contra suas deformações mercantilizantes e privatistas em curso; não uma convivência formal entre ensino, pesquisa e extensão, mas sua efetiva integração; a recusa em aceitar uma formação profissional rebaixada convivendo com as ilhas de excelência; romper os muros universitários não para levar conhecimento aos “menos favorecidos”, mas para constituir uma unidade real com a classe trabalhadora e suas reais demandas.
A universidade que queremos construir é mais que pública (precisa ser radicalmente pública), é uma universidade da classe trabalhadora e para ela. A luta pela transformação da Universidade é uma luta anticapitalista e socialista, e mostra que ao se defrontar com os limites da emancipação política (como a consulta para a reitoria) dentro da universidade, apresenta-se a necessidade da emancipação humana.
Apoiamos o voto nulo e estaremos na luta contra o processo de precarização do trabalho, de privatização da universidade e de repressão contra os trabalhadores e estudantes!

PCB – PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO

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