O processo de consulta à reitoria da
UNICAMP, que acontece no mês de março de 2013, promove diversas reflexões
acerca da democracia na universidade brasileira e de nosso projeto para uma
universidade que atenda aos interesses da classe trabalhadora.
Fazendo um breve histórico do processo
de consulta à reitoria, esta foi instituída durante o período da ditadura
militar no Brasil, como maneira de garantir o acesso aos altos cargos dentro da
universidade apenas àqueles que fossem aliados ao governo ditatorial.
O processo acontece da seguinte
maneira: os candidatos ao cargo da reitoria submetem-se a um processo de
consulta na comunidade acadêmica; a votação, que envolve docentes, funcionários
e estudantes elenca uma lista de “preferência” da comunidade universitária.
Essa lista é encaminhada ao Conselho Universitário (Consu), do qual é aprovada
uma lista tríplice (com os 3 candidatos mais votados), e encaminhada ao governo
do Estado. O governador do Estado escolhe um entre os candidatos encaminhados
nessa lista tríplice para ocupar o cargo da reitoria, podendo optar não
necessariamente pelo candidato mais votado.
Uma peculiaridade é o fato de que a
votação, além de ser apenas uma consulta, não é paritária. O total dos docentes
da universidade corresponde a 3/5 dos votos; o total de funcionários da
universidade corresponde a 1/5 dos votos; o total de estudantes da universidade
corresponde a 1/5 dos votos. Fazendo as contas considerando o total de votos
que podem ser obtidos, o resultado mostra-se ainda mais assustador: o voto de 1
docente corresponde ao voto de aproximadamente 40 estudantes e aproximadamente
15 funcionários.
A partir dessa contextualização,
devemos refletir sobre três aspectos principais: o processo eleitoral em si; a
questão da democracia na Universidade; e nosso projeto de Universidade.
A reflexão sobre o
processo eleitoral deve ser precedida de outro debate bastante importante para
o entendimento do posicionamento dos comunistas nesse aspecto: o caráter do
Estado na sociedade capitalista. Mas o que isso tem a ver com a consulta à
reitoria?
Um fato importante de
entendermos é que a consulta para reitoria é uma eleição indireta; carrega com
si as mesmas características que qualquer processo eleitoral em nossa
sociedade.
Um primeiro aspecto
semelhante com a reflexão que fazemos sobre as eleições burguesas é o fato de
que os trabalhadores somente são convidados a pensar os rumos da sociedade e da
universidade no momento eleitoral. Em nossa sociedade, e em nossa universidade,
quando os trabalhadores se unem para reivindicar melhores condições de trabalho
ou para pensar rumos diferentes para nossa sociedade, são prontamente
reprimidos, seja pela força policial, seja através de sindicâncias ou punições
dentro da universidade. Os exemplos que já aconteceram em nossa universidade
nos últimos anos são muitos e não nos cabe nessa reflexão nos alongarmos nesse
aspecto.
Outra característica
importante de salientarmos é o revestimento do discurso da “democracia burguesa”
quando se fala nesse processo de consulta. Esse falso discurso se constitui na
ilusão de que os rumos da universidade são tomados a partir da vontade da
maioria, afinal, o processo eleitoral seria apenas a expressão da “vontade do
povo”. Dentro da universidade, esse discurso, de certa maneira, pulveriza-se
devido ao processo eleitoral ser anacrônico, diferenciado; mas nunca se perde a
rotulação de “processo democrático”.
Ao fazermos a analise
do processo eleitoral em nossa sociedade, no entanto, tal discurso de
“democracia” ganha mais força junto à população. Para devidamente analisar a
realidade, temos que analisar a História abarcando a sociedade como um todo;
devemos entender que a sociedade capitalista é uma sociedade dividida em
classes sociais (trabalhadores x burguesia) em constante conflito.
O Estado, nesse
embate, é apresentado como um mediador, como o representante do interesse de
todos. O que aprendemos com a História, entretanto, é que o Estado não tem como
função fazer a mediação entre as duas classes, mas sim, garantir a produção e a
reprodução da sociedade capitalista. Nos momentos em que o Estado não cumpre
com seu suposto papel de “mediador entre o interesse de toda a população”,
interpreta-se isso como uma conduta dependente daqueles que estão governando o
Estado e, pensa-se que isso poderia ser resolvido com a mudança desses
representantes anteriormente eleitos; falácia essa que é produzida e
reproduzida pela “democracia burguesa”.
O que nos importa
nesse debate, em nossa reflexão acerca do processo de consulta na UNICAMP, é o
questionamento acerca das ilusões sobre a mudança nos rumos da universidade a
depender do programa apresentado por diferentes candidatos. A reitoria não
representa os interesses de todos os funcionários e estudantes da UNICAMP, mas
sim os interesses de seu grupo político.
Os projetos de
universidade que se destacam nessa disputa eleitoral são projetos em
conformidade com o projeto que vem sendo implementado no país ao longo dos
últimos anos: um projeto de precarização, terceirização e privatização dos
espaços públicos (observem a discussão e proposições sobre autarquização do HC,
pesquisas acadêmicas, financiamento da universidade, parcerias público-privadas
de todos os reitoráveis).
O segundo aspecto de
fundamental importância a ser analisado é sobre a democracia na universidade,
tema que o processo de consulta à reitoria traz à superfície do debate. Como já
explicado acima, esse processo de consulta abre precedentes para a escolha pelo
governador do Estado de outro candidato que não seja o mais votado. Entre
alguns exemplos que podemos citar de ocorrência recente foi em 2009, quando o
então governador do Estado, nomeou como reitor da USP (Universidade de São
Paulo) o segundo colocado na lista de eleitos pela comunidade acadêmica, o
atual reitor Rodas.
Em 2013, o atual
reitor da USP (o Rodas), escolheu para ocupar o cargo de diretor da faculdade
de medicina do campus de Ribeirão Preto o segundo colocado na lista tríplice
Tais fatos, obviamente, não passaram despercebidos. Houve uma grande
mobilização estudantil, de docentes e de funcionários questionando essas
atitudes. Manifestações sempre reprimidas de maneira bastante truculenta pelos
respectivos poderes públicos.
O
segundo aspecto a se pensar sobre a questão da democracia na universidade é
sobre a paridade nas votações e decisões dentro da universidade, o que não
existe atualmente. A paridade sempre foi uma bandeira do movimento estudantil e
uma pauta que mobiliza e agrega diversos estudantes.
A
luta pela paridade nas votações ocorridas dentro da universidade, acima de
tudo, é uma luta pela conquista de um direito dentro da sociedade em que
vivemos, o que não a torna menos importante; lutar pela paridade é uma maneira
de enfrentar os obstáculos que se coloca diante da classe trabalhadora na
sociedade atualmente; é uma conquista necessária dentro do espaço da
universidade, como maneira de avançar na formulação das pautas estudantis e nas
pautas dos funcionários.
Diante desse quadro,
o que propomos para o processo de consulta à reitoria e para a universidade
brasileira?
Defendemos, em
primeiro lugar, o voto nulo na consulta à reitoria. Por entendermos a limitação
do processo eleitoral e pela falta de uma candidatura de esquerda para se
apoiar e construir nesse processo, por entendermos que o processo é destituído
de qualquer resquício democrático, por entendermos que as propostas dos
reitoráveis não se propõem a mudar os rumos que a universidade brasileira vem
tomando nos últimos anos, por entendermos que nenhuma das candidaturas
representa os interesses da classe trabalhadora para com a universidade
brasileira e para com a sociedade, optamos pelo voto nulo.
E nossas propostas
para a universidade, quais são?
Acreditamos na
importância de se organizar e lutar pela manutenção dos direitos já
conquistados dentro da universidade (que estão cada vez mais sendo ameaçados) e
pela ampliação desses direitos dentro da ordem atual. É importante perceber,
entretanto, que os limites e contradições da universidade que temos não são
problemas de um modelo universitário, mas, expressão dos limites da emancipação
política própria da ordem colocada, ou seja, é o máximo de emancipação que
podemos chegar “dentro da ordem mundana até agora existente”.
A luta
por uma universidade da classe trabalhadora não pode ser a luta apenas por uma
universidade “democratizada”, com mais acesso dos trabalhadores. Como diria
Mauro Iasi: “Devemos afirmar, parodiando
Brecht, que ali onde a burguesia fale, os trabalhadores falarão, ali onde os
exploradores afirmem seus interesses, os explorados gritarão seus direitos, ali
onde os dominadores tentarem mascarar sua dominação sob o véu ideológico da
universalidade, os dominados mostrarão as marcas e cicatrizes de sua
exploração”.
Na prática isso significa uma defesa
do caráter público da universidade contra suas deformações mercantilizantes e
privatistas em curso; não uma convivência formal entre ensino, pesquisa e
extensão, mas sua efetiva integração; a recusa em aceitar uma formação
profissional rebaixada convivendo com as ilhas de excelência; romper os muros
universitários não para levar conhecimento aos “menos favorecidos”, mas para
constituir uma unidade real com a classe trabalhadora e suas reais demandas.
A universidade que queremos construir
é mais que pública (precisa ser radicalmente pública), é uma universidade da
classe trabalhadora e para ela. A luta pela transformação da Universidade é uma
luta anticapitalista e socialista, e mostra que ao se defrontar com os limites
da emancipação política (como a consulta para a reitoria) dentro da
universidade, apresenta-se a necessidade da emancipação humana.
Apoiamos o voto nulo e estaremos na
luta contra o processo de precarização do trabalho, de privatização da
universidade e de repressão contra os trabalhadores e estudantes!
PCB – PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO
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