sexta-feira, 29 de março de 2013

O PAPA E A VIDA


Que dirá el Santo Padre?
Que vive en Roma,
que le están degollando,
a su paloma Violeta Parra
 
 
 
 
Há um novo Papa, é latino-americano e se denominou de Francisco, segundo ele por sugestão do Cardeal brasileiro para demonstrar que a Igreja não esqueceu dos pobres.
A Igreja nunca esqueceu dos pobres, eles são seu principal combustível, assim como o medo, a morte e o vazio da existência. Na espetacularização da vida, arte na qual as instituições religiosas são especialistas, são fundamentais os ritos, o mistério, o segredo, o manto que encobre a materialidade da qual parte, assim como o jogo de espelhos que refletem o real invertido no caleidoscópio das imagens refratadas.
Milhares de pessoas no mundo cultivam seu vínculo com o sagrado, buscam encontrar alguma relação entre a imediaticidade do cotidiano, a origem e seu destino, no interior da mundanidade ou além desta, em outra vida que supere a morte. Em relação a este sentimento religioso e às pessoas que nele acreditam, devemos guardar – ainda que discordando – o mais sincero respeito.
No entanto, em relação às instituições que são a cristalização burocrática deste fenômeno, que se erguem como força estranha contra aqueles que a produziram, que no seu gigantismo prepotente e arrogante, com seus ritos ridículos e sua pretensão de seriedade, reproduzem e ampliam a alienação e o estranhamento, devemos exercer e cultivar a mesma crítica que dirigimos à todas as formas outras deste mesmo fenômeno.
Repetimos com Maiakókiski: “como um lobo estraçalharia toda a burocracia”, a certas credenciais não guardamos nenhum respeito. Nós, marxistas, costumamos ser muito severos com nossas próprias instituições quando se degeneram em formas estranhadas, não poderia ser diferente contra uma instituição que faz disso uma virtude e se fundamenta ela mesma numa manifestação social que é a forma fundante da alienação. Como dizia Feuerbach, todo sentimento religioso é a expressão de um ser humano que antes de encontrar em si o sol de sua existência o projeta para fora, daí a noção marxiana que toda a emancipação humana é o retorno ao homem daquilo que é humano.
A atenção atraída em torno da saída do Papa antigo e sua substituição por este “novo” é compreensível. Além das citadas milhares de pessoas que seguem passiva ou ativamente a religião católica, trata-se de uma instituição com grande poder e presença no mundo contemporâneo e o perfil de seu dirigente tem incidência direta nos rumos da instituição.
Isso não nos impede, no entanto, de destacar o caráter absolutamente anacrônico desta instituição e, uma vez abordado por olhos críticos, não podemos deixar de usar o qualificativo ridículo diante de um grupo de pessoas com chapéus pontudos, reunindo-se em segredo, comunicando-se por fumaça e depois, em pleno início do século XXI, coroando um monarca ungido simbolicamente por Deus.
Faz parte do espetáculo a especulação. Por que teria deixado o cargo o papa nazista? O que vem agora é reacionário, apoiou a ditadura Argentina (seus defensores afirmam que é um mal entendido)? Seria um progressista que escolheu o nome de Francisco porque lembrou dos pobres da América Latina? O que teriam discutindo os senhores cardeais no enclave, princípios teológicos, permaneceram em silêncio reverencial para escutar a voz de Deus iluminando sua escolha ou analisaram grossos dossiês da vida pregressa dos papáveis prevenindo-se de futuras surpresas amargas?
Não sabemos. O negócio é secreto por algum motivo. O que sabemos é que debaixo da coroa-chapéu do Papa, envolto num manto branco de pureza celestial, com cajado (de ouro) em uma mão e a outra levando aos céus dois dedos, com uma voz rouca em um italiano em que ressoa as velhas catacumbas sob a cidade eterna, ele vai aparecer numa janelinha, uma multidão emocionada que não vê nada (mas quem tem fé não precisa disso) vai ouvi-lo falar dos sérios problemas do mundo e do abraço fraterno aos que sofrem. As televisões de todo o mundo cobriram o acontecimento, especialistas analisaram cada palavra e seus significados revelados e ocultos.
E a vida vai continuar. Nos lares das famílias pobres o velho retrato do Papa alemão que substituiu o reacionário polonês será substituído pelo do argentino. Os latino-americanos serão tomados por um orgulho incompreensível. A rivalidade com nossos amigos argentinos vai ganhar novas piadas. O papa pode ser argentino, mas Deus continua sendo brasileiro. A vida segue.
Um senhor chamado Mennini que dirige uma coisa chamada Amministracione Del Patrimônio della Sede Apostólica, que trabalha com a gestão do patrimônio da Santa Sé, uma bagatela de 680 milhões de euros que tem sua origem no dinheiro que Mussolini (aquele mesmo, o Benito) havia dado ao Vaticano em 1929 em troca do reconhecimento do regime fascista (certamente é só mais um mal entendido), vai explicar ao novo Papa, como andam os negócios, em Bancos, empresas, e outras áreas desta ordem mundana.
Por alguma razão estranha à minha compreensão, os pobres latino-americanos acordaram mais esperançosos. A Santa Igreja, certamente acordou um pouco mais rica.
Conta-se uma história que o presidente Juscelino Kubtischek ia visitar o Papa e queria levar um presente especial. Lá em Minas havia um artesão extremamente talentoso famoso por suas caixas de madeira com finos acabamentos de marchetaria e que, além de artista, era militante do PCB. O comunista inicialmente se recusou, mas diante da insistência do presidente fez uma linda caixa toda trabalhada e forrada do mais fino veludo roxo vaticânico e repassou ao viajante que a entregou ao Papa.
Em seu retorno, Juscelino foi agradecer ao comunista mineiro e este lhe falou: “sabe aquela caixinha que foi dada ao Santo Padre, então, embaixo daquele veludo que cobre o interior da caixa, está gravado com fogo, fundo e indelével, uma foice e um martelo junto à inscrição – Viva o partido Comunista Brasileiro”.
Bom, nós também queríamos dar um presente ao novo Papa. É só procurar naquele enorme acervo onde estão guardados os presentes que os Papas recebem, uma caixinha que deve estar com seu forro um pouco corroído revelando um velho recado de um querido e criativo camarada.
Viva os 91 anos do Partido Comunista Brasileiro!
***
Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência(Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

quinta-feira, 21 de março de 2013

REFLEXÕES SOBRE A CONSULTA À REITORIA DA UNICAMP


O processo de consulta à reitoria da UNICAMP, que acontece no mês de março de 2013, promove diversas reflexões acerca da democracia na universidade brasileira e de nosso projeto para uma universidade que atenda aos interesses da classe trabalhadora.
Fazendo um breve histórico do processo de consulta à reitoria, esta foi instituída durante o período da ditadura militar no Brasil, como maneira de garantir o acesso aos altos cargos dentro da universidade apenas àqueles que fossem aliados ao governo ditatorial.
O processo acontece da seguinte maneira: os candidatos ao cargo da reitoria submetem-se a um processo de consulta na comunidade acadêmica; a votação, que envolve docentes, funcionários e estudantes elenca uma lista de “preferência” da comunidade universitária. Essa lista é encaminhada ao Conselho Universitário (Consu), do qual é aprovada uma lista tríplice (com os 3 candidatos mais votados), e encaminhada ao governo do Estado. O governador do Estado escolhe um entre os candidatos encaminhados nessa lista tríplice para ocupar o cargo da reitoria, podendo optar não necessariamente pelo candidato mais votado.
Uma peculiaridade é o fato de que a votação, além de ser apenas uma consulta, não é paritária. O total dos docentes da universidade corresponde a 3/5 dos votos; o total de funcionários da universidade corresponde a 1/5 dos votos; o total de estudantes da universidade corresponde a 1/5 dos votos. Fazendo as contas considerando o total de votos que podem ser obtidos, o resultado mostra-se ainda mais assustador: o voto de 1 docente corresponde ao voto de aproximadamente 40 estudantes e aproximadamente 15 funcionários.
A partir dessa contextualização, devemos refletir sobre três aspectos principais: o processo eleitoral em si; a questão da democracia na Universidade; e nosso projeto de Universidade.
A reflexão sobre o processo eleitoral deve ser precedida de outro debate bastante importante para o entendimento do posicionamento dos comunistas nesse aspecto: o caráter do Estado na sociedade capitalista. Mas o que isso tem a ver com a consulta à reitoria?
Um fato importante de entendermos é que a consulta para reitoria é uma eleição indireta; carrega com si as mesmas características que qualquer processo eleitoral em nossa sociedade.
Um primeiro aspecto semelhante com a reflexão que fazemos sobre as eleições burguesas é o fato de que os trabalhadores somente são convidados a pensar os rumos da sociedade e da universidade no momento eleitoral. Em nossa sociedade, e em nossa universidade, quando os trabalhadores se unem para reivindicar melhores condições de trabalho ou para pensar rumos diferentes para nossa sociedade, são prontamente reprimidos, seja pela força policial, seja através de sindicâncias ou punições dentro da universidade. Os exemplos que já aconteceram em nossa universidade nos últimos anos são muitos e não nos cabe nessa reflexão nos alongarmos nesse aspecto.
Outra característica importante de salientarmos é o revestimento do discurso da “democracia burguesa” quando se fala nesse processo de consulta. Esse falso discurso se constitui na ilusão de que os rumos da universidade são tomados a partir da vontade da maioria, afinal, o processo eleitoral seria apenas a expressão da “vontade do povo”. Dentro da universidade, esse discurso, de certa maneira, pulveriza-se devido ao processo eleitoral ser anacrônico, diferenciado; mas nunca se perde a rotulação de “processo democrático”.
Ao fazermos a analise do processo eleitoral em nossa sociedade, no entanto, tal discurso de “democracia” ganha mais força junto à população. Para devidamente analisar a realidade, temos que analisar a História abarcando a sociedade como um todo; devemos entender que a sociedade capitalista é uma sociedade dividida em classes sociais (trabalhadores x burguesia) em constante conflito.
O Estado, nesse embate, é apresentado como um mediador, como o representante do interesse de todos. O que aprendemos com a História, entretanto, é que o Estado não tem como função fazer a mediação entre as duas classes, mas sim, garantir a produção e a reprodução da sociedade capitalista. Nos momentos em que o Estado não cumpre com seu suposto papel de “mediador entre o interesse de toda a população”, interpreta-se isso como uma conduta dependente daqueles que estão governando o Estado e, pensa-se que isso poderia ser resolvido com a mudança desses representantes anteriormente eleitos; falácia essa que é produzida e reproduzida pela “democracia burguesa”.
O que nos importa nesse debate, em nossa reflexão acerca do processo de consulta na UNICAMP, é o questionamento acerca das ilusões sobre a mudança nos rumos da universidade a depender do programa apresentado por diferentes candidatos. A reitoria não representa os interesses de todos os funcionários e estudantes da UNICAMP, mas sim os interesses de seu grupo político.
Os projetos de universidade que se destacam nessa disputa eleitoral são projetos em conformidade com o projeto que vem sendo implementado no país ao longo dos últimos anos: um projeto de precarização, terceirização e privatização dos espaços públicos (observem a discussão e proposições sobre autarquização do HC, pesquisas acadêmicas, financiamento da universidade, parcerias público-privadas de todos os reitoráveis).
O segundo aspecto de fundamental importância a ser analisado é sobre a democracia na universidade, tema que o processo de consulta à reitoria traz à superfície do debate. Como já explicado acima, esse processo de consulta abre precedentes para a escolha pelo governador do Estado de outro candidato que não seja o mais votado. Entre alguns exemplos que podemos citar de ocorrência recente foi em 2009, quando o então governador do Estado, nomeou como reitor da USP (Universidade de São Paulo) o segundo colocado na lista de eleitos pela comunidade acadêmica, o atual reitor Rodas.
Em 2013, o atual reitor da USP (o Rodas), escolheu para ocupar o cargo de diretor da faculdade de medicina do campus de Ribeirão Preto o segundo colocado na lista tríplice Tais fatos, obviamente, não passaram despercebidos. Houve uma grande mobilização estudantil, de docentes e de funcionários questionando essas atitudes. Manifestações sempre reprimidas de maneira bastante truculenta pelos respectivos poderes públicos.
O segundo aspecto a se pensar sobre a questão da democracia na universidade é sobre a paridade nas votações e decisões dentro da universidade, o que não existe atualmente. A paridade sempre foi uma bandeira do movimento estudantil e uma pauta que mobiliza e agrega diversos estudantes.
A luta pela paridade nas votações ocorridas dentro da universidade, acima de tudo, é uma luta pela conquista de um direito dentro da sociedade em que vivemos, o que não a torna menos importante; lutar pela paridade é uma maneira de enfrentar os obstáculos que se coloca diante da classe trabalhadora na sociedade atualmente; é uma conquista necessária dentro do espaço da universidade, como maneira de avançar na formulação das pautas estudantis e nas pautas dos funcionários.
Diante desse quadro, o que propomos para o processo de consulta à reitoria e para a universidade brasileira?
Defendemos, em primeiro lugar, o voto nulo na consulta à reitoria. Por entendermos a limitação do processo eleitoral e pela falta de uma candidatura de esquerda para se apoiar e construir nesse processo, por entendermos que o processo é destituído de qualquer resquício democrático, por entendermos que as propostas dos reitoráveis não se propõem a mudar os rumos que a universidade brasileira vem tomando nos últimos anos, por entendermos que nenhuma das candidaturas representa os interesses da classe trabalhadora para com a universidade brasileira e para com a sociedade, optamos pelo voto nulo.
E nossas propostas para a universidade, quais são?
Acreditamos na importância de se organizar e lutar pela manutenção dos direitos já conquistados dentro da universidade (que estão cada vez mais sendo ameaçados) e pela ampliação desses direitos dentro da ordem atual. É importante perceber, entretanto, que os limites e contradições da universidade que temos não são problemas de um modelo universitário, mas, expressão dos limites da emancipação política própria da ordem colocada, ou seja, é o máximo de emancipação que podemos chegar “dentro da ordem mundana até agora existente”.
            A luta por uma universidade da classe trabalhadora não pode ser a luta apenas por uma universidade “democratizada”, com mais acesso dos trabalhadores. Como diria Mauro Iasi: “Devemos afirmar, parodiando Brecht, que ali onde a burguesia fale, os trabalhadores falarão, ali onde os exploradores afirmem seus interesses, os explorados gritarão seus direitos, ali onde os dominadores tentarem mascarar sua dominação sob o véu ideológico da universalidade, os dominados mostrarão as marcas e cicatrizes de sua exploração”.
Na prática isso significa uma defesa do caráter público da universidade contra suas deformações mercantilizantes e privatistas em curso; não uma convivência formal entre ensino, pesquisa e extensão, mas sua efetiva integração; a recusa em aceitar uma formação profissional rebaixada convivendo com as ilhas de excelência; romper os muros universitários não para levar conhecimento aos “menos favorecidos”, mas para constituir uma unidade real com a classe trabalhadora e suas reais demandas.
A universidade que queremos construir é mais que pública (precisa ser radicalmente pública), é uma universidade da classe trabalhadora e para ela. A luta pela transformação da Universidade é uma luta anticapitalista e socialista, e mostra que ao se defrontar com os limites da emancipação política (como a consulta para a reitoria) dentro da universidade, apresenta-se a necessidade da emancipação humana.
Apoiamos o voto nulo e estaremos na luta contra o processo de precarização do trabalho, de privatização da universidade e de repressão contra os trabalhadores e estudantes!

PCB – PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO

domingo, 10 de março de 2013

Manifesto de Repúdio à Proposta do Governo Federal de Subsidiar os Planos Privados de Saúde


A Frente Nacional contra a Privatização da Saúde repudia o conjunto de medidas que, segundo notícia veiculada na Folha de São Paulo em 27/02/2013 , o Governo Federal prepara desde o início do ano e que amplia a trilha da privatização da saúde em curso, através da radicalização do favorecimento já amplo ao mercado de planos e seguros de saúde.
Na reportagem é relatado que a própria Presidenta, pessoalmente, vem negociando com grandes empresas que atuam no mercado de planos privados de saúde – a maioria controlada ou com grande participação do capital estrangeiro e grandes doadoras da campanha presidencial de Dilma Rousseff – um pacote de medidas que transferirão mais recursos públicos para suas já vultosas carteiras através de redução de impostos, novas linhas de financiamento e outros subsídios a expansão do seu mercado.
Tal proposta consistiria na prática em universalizar o acesso à saúde das pessoas através de planos e seguros privados, e não através de serviços públicos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O preceito constitucional da saúde como direito é ferido mortalmente, ao ser substituído por uma abordagem da saúde como mercadoria a ser mais amplamente consumida, especialmente para as chamadas classes C e D, para impulsionar o atual modelo de desenvolvimento.
Esta pode ser a formalização final para a instituição de um seguro saúde e criação de um Sistema Nacional de Saúde integrado com o setor privado, tendo como consequência acabar com o SUS ou torná-lo um sistema focalizado, consagrando o processo de universalização excludente que vem ocorrendo desde os anos 1990 com a saída dos trabalhadores melhores remunerados que foram impulsionados à compra de serviços no mercado privado devido ao sucateamento do SUS. Esse movimento faz parte do mesmo processo de aprofundamento da subordinação do país ao grande capital financeiro, atrelado aos interesses do imperialismo. Contra fatos não há argumentos: há um há um há um há um há um há um crescimento no número de usuários de planos de saúde de 34,5 milhões, em 2000, para 47,8 milhões, em 2011, tendo o Brasil se tornado o 2º mercado mundial de seguros privado, perdendo apenas para os Estados Unidos da América.
A referida medida que beneficia os planos privados é anunciada poucos meses depois da venda de 90% da AMIL, maior operadora de planos privados de saúde do Brasil, para a empresa norte-americana United Health, e do anuncio do seu fundador, Edson Godoy Bueno, um dos maiores bilionários brasileiros, da meta destes planos atingirem 50% da população brasileira, ou seja, duplicar a sua cobertura para 100 milhões de brasileiros. A estratégia anunciada pela United Health para o Brasil é crescer entre o público de baixa renda.
Tal política não responde aos interesses da maioria da Nação: sistemas de saúde controlados pelo mercado são caros, deixam de fora idosos, pobres e doentes, são burocratizados e desumanizados, pois as pessoas são tratadas como mercadorias. Se o SUS hoje não responde aos anseios populares por uma saúde universal de qualidade de acordo com a Constituição de 1988 não é pelas deficiências do modelo - há modelos de sistemas universais como Reino Unido e Cuba, amplamente bem considerados pela população e com indicadores de saúde melhores dos que o sistema de mercado da nação mais rica do planeta, os EUA – mas porque os governos não alocam recursos suficientes, não cumprem a legislação e porque a democracia, expressa no controle da sociedade sobre o sistema de saúde, não é respeitada.
O que se constata é que o Estado está cada vez mais mínimo para o SUS e máximo para o mercado. A privatização desta vez não é de forma travestida de modernização da gestão, como no caso dos “novos” modelos de gerenciamento: Organizações Sociais (OSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Fundações Estatais de Direito Privado (FEDPs), Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e Parcerias Público-Privada (PPPs). Ou mesmo na forma da complementariedade invertida, em que a rede privada em vez de ser complementar à pública, tem absorvido 62% dos recursos públicos destinados aos procedimentos de alta e média complexidade, através de convênios e contratação de serviços da rede privada pelo SUS.
A atual inflexão, se confirmada, vaticina uma total derrota do Movimento da Reforma Sanitária, que na 8ª Conferência Nacional de Saúde defendia uma progressiva estatização do setor, pois o inverso é que se materializaria. Tornar-se-ia absoluta, e em níveis nunca antes vistos nesse país, a tendência da nossa história recente de alocar cada vez mais os fundos públicos para o setor privado da saúde em detrimento da ampliação do setor público para a garantia do direito de todos à saúde e do dever do Estado de prestar serviços à população.
Por que o governo tem recursos para subsidiar o setor privado e não tem para ampliar a rede pública de saúde? Por que o governo não atende às demandas dos movimentos sociais, das Conferências Nacionais de Saúde e dos Conselhos de Saúde para destinar 10% da receita corrente bruta da União para a saúde pública? Por que a regulamentação da Emenda 29 não trouxe recursos novos para o SUS como estava previsto? Por que se aprofunda a precarização da força de trabalho na saúde e a terceirização dos serviços de saúde? Por que se mantém a DRU (Desvinculação das Receitas da União)? Porque há uma Lei de Responsabilidade Fiscal draconiana e nenhuma lei de responsabilidade sanitária ou social? Por que não se respeita o controle social?
A Frente Nacional contra a Privatização da Saúde tem empreendido lutas contra todas as formas de privatização que vem ocorrendo após os anos 1990. Contra o desmonte do SUS público estatal e às medidas do atual governo de fortalecimento do setor privado de saúde, a Frente reafirma suas bandeiras:
* Defesa incondicional do SUS público, estatal, universal, de qualidade e sob comando direto do Estado.
* Contra todas as formas de privatização da rede pública de serviços: OSs, OSCIPs, Fundações Estatais de Direito Privado, Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares; e Parcerias Público Privadas.
* Contra a implantação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), impedindo a terceirização dos Hospitais Universitários e de ensino federais.
* Pela Inconstitucionalidade das Leis que criam as Organizações Sociais (OSs) e a EBSERH.
* Defesa de investimento de recursos públicos no setor público.
* Pela gestão e serviços públicos de qualidade
* Defesa de concursos públicos RJU e da carreira pública no Serviço Público.
* Contra todas as formas de precarização do trabalho.
* Pelo fim da Desvinculação das Receitas da União (DRU).
* Exigência de 10% da receita corrente bruta da União para a saúde.
* Defesa da implementação da Reforma Psiquiátrica com ampliação e fortalecimento da rede de atenção psicossocial, contra as internações compulsórias e a privatização dos recursos destinados à saúde mental via ampliação das comunidades terapêuticas.
* Pela efetivação do Controle Social Democrático.
* Por uma sociedade justa, plena de vida, sem discriminação de gênero, etnia, raça, orientação sexual, sem divisão de classes sociais!
FRENTE NACIONAL CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE
Março/2013
http://www.contraprivatizacao.com.br/2013/03/manifesto-de-repudio-proposta-do.html

terça-feira, 29 de janeiro de 2013







Famílias assentadas há sete anos correm o risco de despejo nas próximas semanas. 

PCB na luta!

No final de 2005, os trabalhadores da região de Campinas e todos aqueles que os apóiam na luta contra o capital ganharam uma trincheira, o Assentamento Milton Santos. Depois de uma sequência de ocupações e despejos capitaneada pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), conseguiram enfim a posse de 104 hectares de terra cravados nas cidades de Americana e Cosmópolis, em meio a um mar de cana, interesses de latifundiários e ausência quase total do Estado, desafios superados por meio de muita luta.

A gleba pertencia na época ao INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), fruto de ressarcimento de uma dívida que a família Abdala - conhecida por latifundiária, especuladora e grileira entre outros “honráveis” adjetivos – possuía com tal entidade. O Governo Federal já naquela época materializava a famosa marchinha, pagando com traição a quem sempre lhe dera a mão: tirara do cardápio de opções a possibilidade de desapropriar terras que não cumprissem a função social, contrariando o inciso XXIII do art. 5º da constituição brasileira. Das opções legais que restavam estava a de utilização de terras públicas, das quais esta gleba, a qual fora passada ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que iniciou o processo de assentamento de 68 famílias. Além do abandono da constituição, o próprio INCRA teve de passar por cima de suas regras e “assentou” 68 famílias em lotes menores que os que ele mesmo estabelece como mínimo para garantia de sobrevivência digna. Como já dizia o filósofo “prática como critério de verdade”, com tal critério facilmente se reconhece o abandono da reforma agrária no governo do PT (Partido dos Trabalhadores).

Com terras insuficientes, o assentamento nunca se completou, as assistências técnica, financeira e política sempre foram parcas, ainda assim os assentados construíram suas casas, cultivaram hortas (individuais e coletivas), levantaram espaços comuns de vivência (barracão e cozinha comunitários, sala de aula, campo de futebol, por exemplo) e principalmente, produziam comida (sem agrotóxicos), sonhos e exemplos de solidariedade.

A trincheira se tornou um quartel general. Dentro desse espaço inúmeros militantes se formaram, desde os próprios assentados, passando pelos vários universitários ligados a projetos de extensão que ali atuaram e outros tantos militantes que prestaram solidariedade e emprestaram suas mãos na luta. Por ali passou a resistência do acampamento Elizabeth Teixeira quando da violenta reintegração de posse e das inúmeras reintegrações do acampamento Roseli Nunes.

Hoje, cerca de 7 (sete) anos depois, uma decisão em 2ª instância a favor da família Abdala e da Usina Esther, aliada a um completo imobilismo do INCRA - que perdeu os prazos (!) para recorrer à decisão e deixá-la a cargo do STJ (Superior Tribunal de Justiça) – ameaça tornar este oásis mais uma área infértil onde a diversidade será trocada pela monocultura e onde a luta por uma vida digna será substituída pelo trabalho semi-escravo dos bóias-frias.

Mais uma vez a prática desnuda a verdade, agora do caráter desumano do capitalismo e de sua “justiça” que prioriza o lucro do agronegócio em detrimento das quase 70 famílias cujas vidas tendem a engrossar as estatísticas dos bolsões de miséria urbana. Cabe ressaltar que aquilo que incomoda mais os poderosos não são os 104 hectares de terra perto dos quase 8000 cultivados pela usina, mas sim exatamente essa trincheira montada em pleno território inimigo e que hoje vem servindo de espaço de aglutinação de toda a esquerda da região de Campinas.

As famílias do Assentamento sofrem esta ameaça há mais de seis meses. Na última terça-feira, 15 de janeiro, as famílias ocupadas na sede do INCRA receberam a notificação judicial para que desocupem a área no prazo de 15 dias. Caso permaneçam e resistam, está autorizado o uso da força policial estadual e federal para realizar o despejo. Ao longo deste período, várias medidas judiciais foram tomadas e representantes do governo federal se “comprometeram” a não despejar as famílias. Entretanto nenhuma medida efetiva, de fato, foi realizada. Caso a presidenta Dilma não assine a desapropriação da terra, será o primeiro caso na história, desde o surgimento do MST, de um assentamento sofrer reintegração de posse.

Como forma legítima de resistência, as cerca de 70 famílias e apoiadores do Assentamento Milton Santos (diversos movimentos sociais, partidos de esquerda e organizações em defesa dos direitos humanos) ocuparam o prédio do INCRA na cidade de São Paulo. Visam denunciar o risco eminente de despejo e exigem da presidenta Dilma Rousseff que assine o decreto de desapropriação por interesse social (Lei nº 4132/1962), evitando assim uma possível tragédia.

Ao longo dos últimos dias, o caso repercutiu nos grandes meios de comunicação brasileiros e na mídia estrangeira, dentre eles: UOL , IG , Globo , Record , Estadão , Folha de S. Paulo  e BrazilianPost (Londres) .

Passaram pela ocupação muitos apoiadores: Deputado federal Ivan Valente (PSOL), Deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL), Deputado estadual Adriano Diogo (PT), Vereador Toninho Véspoli (PSOL), MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), MPL (Movimento Passe Livre de São Paulo), Cooperativa Paulista de Teatro, SINTUSP (Sindicado dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo), Comitê de apoio aos Guarani-Kaiowás, Tribunal Popular, PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular Conlutas), Movimento Terra Livre, MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), Movimento Autônomo Socialismo Libertário, DCE-USP (Diretório Central dos Estudantes da Universidade de São Paulo), Coletivo Rompendo Amarras, Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal, Quilombo Raça e Classe, Fábrica Ocupada Flaskô, Sinsprev (Sindicato da Saúde e da Previdência de São Paulo), Movimento Luta Popular, Comitê contra o genocídio da juventude negra e pobre, Fórum Popular de Saúde, ITCP-UNICAMP (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares) e
ANEL (Assembléia Nacional dos Estudantes Livres).

Apoio do PCB

O PCB, reconhecendo a importância dessa luta, desse espaço e a iminência de outro massacre durante uma possível reintegração, vem condenar o descaso do INCRA, da Justiça estadual e a passividade do Governo federal. Vem também oferecer todo apoio possível na luta desses trabalhadores do campo e elogiar todo o empenho dos aliados na pressão pela desapropriação por interesse social, que só será obtida com muita mobilização.

Despertemos a solidariedade de classe que há dentro de cada um na defesa do Assentamento Milton Santos!

Viva a luta do povo trabalhador do campo!

Viva o Assentamento Milton Santos!