sexta-feira, 23 de março de 2012

A Autarquização do Complexo de Saúde da UNICAMP

No final do mês de julho de 2009, foi proposta pelo governo do Estado de São Paulo à Universidade Estadual de Campinas a autarquização da área de saúde (Hospital das Clínicas, Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher, Hemocentro e Gastrocentro) da universidade. Tornar o complexo de saúde da UNICAMP uma autarquia significa desvinculá-lo da universidade e vinculá-lo à Secretaria Estadual de Saúde.
Autarquia, segundo definição jurídica, é uma entidade administrativa autônoma pública criada por lei, com receita e patrimônio próprios, sem fins lucrativos, para executar  atividades             típicas          da                 Administração           Pública,                      que           requeiram              gestão administrativa e financeira descentralizada.  Na prática, a autarquia é uma entidade pública desvinculada da administração direta da prefeitura, estado ou união; ela recebe um orçamento próprio e decide de que maneira deve gastá-lo.
A proposta de desvinculação da área de saúde da Unicamp é amplamente defendida pelos administradores da Faculdade de Ciências Médicas e da Universidade, sendo que a principal argumentação da defesa baseia-se na questão do subfinanciamento da saúde e da contratação de funcionários.
O complexo de saúde da UNICAMP recebe seu financiamento de duas fontes diferentes: a tabela SUS (procedimentos pagos pelo SUS) advém da Secretaria de Saúde e é responsável por 1/3 do capital recebido; os outros 2/3 advém da própria universidade para pagamento de recursos humanos. Afirma-se que a questão do subfinanciamento é bastante preocupante, o que é verdade. O hospital está totalmente precarizado e não consegue desenvolver suas atividades de assistência de maneira, no mínimo, adequada.
Quanto aos funcionários, afirma-se que mais de cem leitos do hospital estão paralisados por falta de  contratação  de  trabalhadores,  que  está  paralisada  devido  a problemas   do  Ministério   Público   com  a  FUNCAMP  (Fundação   de  Apoio  da UNICAMP).
Sabemos, entretanto, que a autarquização não é uma proposta aceitável para a resolução desses problemas por quais vem passando a área de saúde; sabemos, também, que essa proposta não vem isolada, mas sim, em um contexto que se caracteriza por ser conseqüência das políticas privatizantes do Estado brasileiro.
O governo federal encaminhou ao Congresso em julho de 2007 o Projeto de Lei
92/2007, que cria as Fundações Estatais de Direito Privado (FEDP), caracterizadas como “novos” modelos de gestão para a melhoria do setor público; mas que são, na verdade, uma “nova” roupagem para as terceirizações e privatizações do setor público, desresponsabilizando o Estado de mais uma de suas funções.
Em 2008, o governo do estado de São Paulo aprovou o Projeto de Lei 62/08, que prevê a gestão dos centros e saúde e dos hospitais universitários com base nas Organizações Sociais (OS). As OS são definidas como “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, voltadas a atividades de relevante valor social, que independem de concessão ou permissão do Poder Público, criadas por iniciativa de particulares segundo modelo previsto em lei, reconhecidas, fiscalizadas e fomentadas pelo Estado”. Percebe-se, portanto, que, mais uma vez, o Estado se desresponsabiliza de sua função de administrar o bem público, terceirizando esse serviço e privatizando-o.
É importante lembrar que esses dois projetos estão sendo amplamente debatidos aqui na cidade de Campinas como proposta de alternativa à administração direta de todo o complexo de saúde da cidade (desde a atenção primária até os níveis mais especializados), sendo que no ano passado, em 2011, essa foi uma pauta que unificou todos aqueles que divergem dessas alternativas, por entender que precarizam o trabalho, terceirizando o serviço.
A proposta de autarquização não foge dessa política de desresponsabilização do poder público e da lógica privatizante pela qual o Estado brasileiro opta: mesmo sendo uma administração pública, a autarquia permite que seja criada uma Fundação de Apoio para gerir a administração do complexo de saúde.
A instalação  de  uma  fundação  na  área  de  saúde  da  UNICAMP  (que  seria diferente da FUNCAMP) representa a inserção da lógica privada no serviço público e na universidade, já que esta  não precisa necessariamente prestar serviços somente ao bem público; pode prestar serviços a entidades privadas, dar consultorias, atuar como intermediária na contratação de funcionários para o serviço público (em regime CLT, com precarização do trabalho e maior exploração dos trabalhadores)  e fazer compras destinadas  ao  serviço  publico  sem  licitação,  dentre  muitas  outras  atuações  que  a caracterizam como um modelo privatizante de administração.
Além de permitir a instalação de uma fundação de apoio, a autarquia pode proporcionar muitas alternativas que ferem o principio de saúde que o próprio Sistema Único de Saúde defende: uma saúde pública, universal, gratuita, equânime, integral com controle social, sendo um direito de todo cidadão e de dever do Estado proporcioná- la. A desvinculação do complexo hospitalar da universidade, permite que sejam feitas parcerias com entidades privadas para a venda de campos de estágio dentro do hospital (ferindo a autonomia universitária), convênios com empresas para a venda de consultas (a  famosa  “dupla-porta”)  e  fim  do  controle  social  (capacidade  de  intervenção  da população nas decisões relacionadas à saúde).
Deve-se perceber, conseqüentemente, que o problema de subfinanciamento da área de saúde da UNICAMP não acontece de maneira isolada: ela é conseqüência da precarização que as universidades públicas vêm sofrendo por parte do Estado.
Devemos lutar por mais verbas para o hospital, mas essa luta não é desvinculada da luta por mais verbas para a educação, para a cultura, para o transporte, para a moradia, etc. O financiamento do complexo hospitalar  por  meio  da  inserção  da  iniciativa  privada  não  resolverá  o  processo  de precarização que o ensino superior público vem sofrendo e, por isso, não resolverá os problemas que vêm surgindo cada dia mais nas nossas universidades. Pelo contrário, intensificará ainda mais a precarização das relações de trabalho.

Devemos nos posicionar contra a autarquização da área de saúde da UNICAMP, pois somos favoráveis a um sistema de saúde 100% público, universal e gratuito, com administração pública e sem terceirizações ou privatizações do mesmo. Nesse sentido, estamos ajudando na construção e organização de um núcleo do Fórum Popular de Saúde em Campinas, objetivando unir forçar para resistir a mais essa investida contra os trabalhadores da cidade!

Marcelo Lopes –
militante do PCB e estudante de Medicina na UNICAMP

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